- Leandro A. de Sousa
Eu, Daniel Blake - Uma história sobre nós

Fonte: imagem Esquerda Online
Quando pensamos em problemas do dia a dia do cidadão comum, imaginamos contas a pagar, filhos na escola, compras de mês, IPVA, IPTU etc. Todos esses problemas são usuais, a maioria de nós já passou ou irá passar por eles e devido a isso, encostar a cabeça no travesseiro para dormir se torna um verdadeiro desafio.
O problema piora quando não temos absolutamente nenhum suporte do estado para que estes sejam resolvidos. Ninguém está pedindo esmola, como cidadão, temos deveres e direitos, mas muitas vezes parece que apenas o primeiro é obrigatório e os direitos opcionais, são cumpridos quando dá. Se você é idoso é pior ainda, com tanta tecnologia, relatórios digitais, ir e vir de papelada, sem ninguém para ajudar e apenas máquinas o atendendo. Você já não tem mais vigor para passar por tanta carga de estresse, seu tempo é curto e o estado faz questão de encurtar mais ainda, para ele, você é só uma pedra no sapato.
Após passar por um ataque cardíaco, Daniel Blake (Dave johns) é impedido de trabalhar por seus médicos, mas encontra dificuldade em receber um auxílio do estado para que possa continuar vivendo.
Eu, Daniel Blake parece mais um documentário do que um filme, ao assistir ao longa, nos identificamos tanto com toda aquela situação que sentimos que existe alguém com uma câmera registrando um senhor idoso e doente lutando para ter seus direitos garantidos na vida real, apenas mais um senhor dentre milhões tentando não morrer de fome e buscando um suporte na burocracia desumana que o estado nos impõe. Claro, é preciso passar por alguns processos, é necessário comprovar documentos, é preciso garantir que você cidadão honesto não esteja fraudando e tentando passar perna no estado para conseguir algo que é seu.
Apesar de uma forte carga emocional, o filme não apela para o sentimento do espectador, é uma história verídica, todos os dias passamos por isso e estamos acostumado. Andamos para lá e para cá, assinamos documentos, falamos ao telefone com máquinas e até mesmo as pessoas que trabalham nesse meio se tornam essa máquina que temos que enfrentar para ter nossos poucos direitos garantidos. A todo momento, tais máquinas deixam bem claro que não adianta lutar contra elas, elas colocam medo, dizem que você vai perder sua casa,seus bens, vai virar mendigo etc. Você é humilhado em prol de uma burocracia muitas vezes sem sentido, você precisa daquilo para não morrer de fome.
Vivemos assim, se não enfrentamos essas máquinas em uma batalha que beira a insensatez, somos marginalizados, tratados como cachorros. Daniel se vê assim e vê pessoas por quem ele tem afeto da mesma forma. É um filme que apesar de ter uma história simples é complexo, é preciso conhecer ao fundo esse sistema, ter passado por isso, o estado não está ali para te auxiliar, apenas para atrasar ou te matar.
No filme também vemos o conflito e o encontro de duas gerações. Daniel não consegue resolver seus problemas pela internet enquanto uma criança não sabe o que é uma fita cassete. Vemos uma bela amizade nascendo entre pessoas que tem os mesmos problemas. Daniel é o único que toma uma atitude humana em um local desumano, se o estado não ajuda uma mãe desamparada, ele faria o que pudesse, no fim acaba sendo ele que consegue um certo conforto naquela família.
Sentimos tanto o peso de Daniel ao longo do filme que até mesmo sentimos medo de um dia acabar assim. Apesar do medo, provavelmente passaremos por isso, já passamos na verdade, a diferença é que se você ainda é jovem, você ainda tem muito tempo. Se você não é uma mãe solteira e desempregada você vai ter mais chances de conseguir o que quer, mais tempo e mais disposição. Não é o caso no filme, e sentimos nossa empatia gritando lá no fundo ao presenciar essas histórias.
Infelizmente Eu, Daniel Blake passou despercebido pelo grande público, o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes do ano passado, mas poucas pessoas sequer ouviram falar dele. Como já foi dito, é uma história real e humana, gosto de filmes assim pois são deles que tiramos as grandes lições da vida, aprendemos a ser pessoas melhores e refletimos sobre nosso próprio cotidiano. É um filme que todos devemos ver, pois é uma história nossa, todos nós sofremos e somos marginalizados. No fim das contas, é um grito de socorro. Somos humanos, nos cansamos e sempre temos muito pouco tempo, só queremos que esse tempo não seja reduzido em uma batalha que muitas vezes chega ao fim quando já estamos no fim.
NOME ORIGINAL: I DANIEL BLAKE DIREÇÃO: KEN LOACH ROTEIRO: PAUL LAVERTY ANO: 2016