- Leandro A. de Sousa
O Abutre e o jornalismo sádico

Fonte: Imagem AdoroCinema
A notícia quando pensamos nela como forma de entretenimento se torna algo ao mesmo tempo caricato e superficial. Quando ligamos a TV em telejornais policiais e vemos todo aquele teatro e encenação por parte de apresentadores a procura da melhor frase de efeito para nos causar comoção, temos a sensação de que estamos vendo um circo mas ainda paramos e assistimos aquilo, sentimos toda aquele indignação que o apresentador tenta passar. No fim das contas, nós somos os palhaços naquele circo que ridiculariza tragédias humanas.
O Abutre é um filme que se torna ainda mais interessante quando usamos ele como parâmetro para a nossa realidade. Em como o sadismo e o jornalismo sempre andam lado a lado em prol da maior audiência.
Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) não consegue encontrar um emprego, um dia descobre o mundo do Jornalismo Policial e começa a trabalhar como freelancer, buscando notícias, as filmando de última hora e vendendo a uma emissora de TV. Com o passar do filme seu negócio cresce e junto a isso a sua ambição.
A história demora um pouco para engajar, mas apesar disso ela flui bem. Vemos Louis como um ser humano dissimulado e capaz de tudo para ter uma registro perfeito de uma tragédia, até mesmo se for preciso, ele arma um. A forma como ele controla a Editora do jornal para o qual ele vende as suas gravações, Nina (Rene Russo), apenas com um simples diálogo onde ele consegue provar que ela necessitava de todo aquele material para que não perdesse o emprego é surpreendente, e no fim das contas é verdade tudo o que ele fala naquela mesa de restaurante. Ele faz isso não só com ela, mas com todos ao seu redor. Sua capacidade de manipulação era necessária para que seus objetivos fossem alcançados para que ele se tornasse alguém.
Louis é um verdadeiro abutre a procura de carniça, o nome do filme não é atoa. Sua carne podre pode ir desde um atropelamento até mesmo uma série de homicídios. Quando chega nesse último ponto ele precisa ir além disso. O Jornalismo aqui não é feito para informar, serve para emocionar, indignar, comover e causar empatia.
Como já dito, vemos isso todos os dias na TV, ligue ela e em pelo menos dois canais vai ter um apresentador fingindo indignação com um assassinato ou com um atropelamento causado por um bêbado. A verdade é que a notícia não interessa, se isso não fosse dar audiência não seria veiculado. Essa falsa imagem de que todos devemos fingir empatia por causa de um senso de falso moralismo por algo que não vimos acontecer e nem sabemos toda a verdade é o que importa.
É incrível também notar a mudança de tom nesse tipo de jornalismo. Quando uma matéria sobre tragédia acaba começa outra sobre uma história alegre e feliz. Para onde foi toda aquela indignação? Ela nunca existiu? E a nossa empatia? Pois é.
Louis também não sente nada disso, indignação e empatia. Seus olhos brilham quando ele vê os apresentadores citando ele como responsável por tais gravações daquela chacina. Mesmo que aquilo que ele fez tenha sido totalmente desrespeitoso para com as vítimas, não interessava, o ângulo perfeito tinha sido pego, a exclusividade era dele, alguma dezenas de milhares iam para o seu bolso, seus nome iria ficar conhecido e no outro dia torceria para conseguir algo tão bom quanto aquilo. Sua vontade de ser visto e notado era uma de suas ambições, antes era só um ladrãozinho que vendia algumas mercadorias roubadas para não morrer de fome, agora ele estava por cima e aquilo o enchia de um orgulho que só vendo sua expressão para sentir isso.
O Jornalismo mostrado em O Abutre é do tipo mais desumano o possível e igual com o que vemos todos os dias na TV ou na Internet. Claro que é normal nos sentirmos mal quando acontece uma tragédia, mas essa sensação só dura enquanto tal notícia é veiculada pois temos memória curta e a nossa empatia só dura enquanto a lembrança durar. Como muitos hoje em dia fazem piadas com o que ocorreu no 11 de Setembro, muitos farão as mesmas com o que aconteceu ao avião da Chapecoense. Nossa Indignação tem um prazo de validade assim como nosso senso de moral, quando esse prazo acaba a dignidade também acaba.
O Jornalismo sádico se tornou um bom negócio, muita gente lucra com a morte e o desastre alheio. A ganância de alguns acabou com a nossa confiança em certos jornais sérios. O dever de noticia já não é mais um dever, assim como Louis temos vários abutres correndo atrás de carniça, não para comer, mas para nos fazer engolir, e essa carniça vem quase sempre disfarçado de um bom pedaço de filé, apesar de sentirmos o cheiro podre, a imagem que vemos é de encher os olhos, assim como a imagem que nós mesmo teremos ao nos demonstrarmos um pouco mais humanos, aquela sensação de dever cumprido consigo mesmo é recompensadora. Tendo tudo isso nós nos deliciamos com toda essa carniça.
NOME ORIGINAL: NIGHTCRAWLER
DIREÇÃO E ROTEIRO: DAN GILROY
ANO: 2014