- Leandro A. de Sousa
The Leftovers (1º Temporada) - Somos os remanescentes

Criador: Damon Lindelof e Tom Perrota
Elenco: Justin Theroux, Carrie Coon, Amy Brenneman, Liv Tyler, Margaret Qualley, Christopher Eccleston, Chris Zylka, Ann Dowd, Emily Meade, Charlie Carver, Max Carver, Michael Gaston, Annie Q., Amanda Warren, Paterson Joseph e Scott Glenn
Data de exibição: 29 de Junho de 2014 - Atualmente
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
The Leftovers era uma série que nunca havia me chamado a atenção. Não por sua estória - que até assistir ao piloto eu não a conhecia. Nunca obtive interesse em parar parar assistir até há alguns dias atrás devido ao começo da terceira temporada, que iria acontecer em pouco tempo. Eu comecei a assisti-la sem saber absolutamente nada sobre seu enredo ou sua narrativa, e a série me caiu como um balde de água fria. A forma como ela explora os conflitos humanos, a natureza deste e como o roteiro da mesma levanta mais perguntas do que respostas - e em nenhum momento a série se dispõe a dar uma explicação - me impressionou e me chocou por diversas vezes. A série trata as consequências de seu principal evento de uma forma pessoal, fazendo assim que o foco seja em poucos. Só importa quem ficou. É sem dúvida mais uma obra-prima por parte da HBO.
A série me cativou por sua exposição visual, como ela não tem medo de chocar quando é necessário e também impressionar; as relações interpessoais são o principal tema da série, a figura humana é o ponto principal, o que aconteceu naquele fatídico dia, aqueles que se foram, perdem a importância diante de tais conflitos. Não há porquê ficar focando nisso, pois o ponto principal são as consequências que A Partida causou. Afinal, não é todos os dias em que 140 milhões de pessoas somem absolutamente sem nenhuma explicação e sem dar nenhuma pista.
O que houve naquele dia pode ser remetido a várias histórias que conhecemos sendo fictícias ou verídicas: A arca de Noé, O arrebatamento, o desaparecimento de Stonehenge e até mesmo o 11 de Setembro (neste último, onde várias pessoas desapareceram sem nunca mais serem encontradas ou os seus corpos). Somos sempre os que ficam se perguntando o que aconteceu e para onde elas foram. Isso nos destrói, ainda mais quando não podemos sequer enterrar aqueles que se foram e a esperança de algum dia eles voltarem nos corrói a cada dia que passa.
Em The Leftovers, o sentimento de luto e da perda são usados até mesmo para o lucro de empresários, que vendem bonecos de cera daqueles que partiram, para que os parentes possam ter algo próximo a um enterro de seus entes queridos. O fato é que não se tem sequer algo palpável, um túmulo para ir deixar flores, um último adeus ou até mesmo alguém a quem culpar... mas há sempre em quem descontar.
Todos os personagens da primeira temporada são interessantes no geral. Não há nenhum que seja descartável - menos relevante sim, mas não descartável. O principal é Kevin (Justin Theroux), um chefe de polícia que ao mesmo tempo que não perdeu ninguém no 14 de Outubro, ele perdeu a todos indiretamente. A sensação que temos sobre Kevin é que tudo o que ele tinha escorreu pelos seus dedos, a todo momento ele tenta recuperar aquilo que foi perdido e resgatar a si próprio. A única presença física que sobrou foi a de sua filha, Jill (Margaret Qualley), mas não passa disso.
Os Remanescentes Culpados são o grupo de personagens onde certamente ronda o maior mistério da série - e onde Laurie (Amy Brenneman), a ex-mulher de Kevin, foi parar. Eles nasceram das cinzas de A Partida com um único propósito: Lembrar a todos o que aconteceu. Eles nos dão muitas pistas sobre suas intenções principalmente por seu comportamento e pelo seu figurino. O branco que vestem representa o vazio de suas almas e ao mesmo tempo a iluminação dela. Eles abrem mão de seus sentimentos e de suas família, pois há algo muito maior do que tudo isso no mundo, tudo aquilo que possuíamos após o 14 de Outubro se tornou superficial e sem valor; também fazem um voto de silêncio, se comunicando somente através da escrita para que não gastem fôlego chorando ou repetindo os nomes dos que partiram; fumam compulsivamente para acelerar o processo de deterioração de seus corpos, para chegarem ao último estágio, onde não terão mais que sentir nada, ou para simplesmente demonstrarem como é inútil preservar algo que algum dia chegará ao fim. Eles são uma lembrança viva daquilo o que aconteceu.
O problema é quando a mera presença dos Remanescentes se torna um insulto para a sociedade. Para todos os outros, o que parece que eles fazem é basicamente zombar da dor alheia. Eles tentam a todo momento demonstrar a inutilidade por parte da população de fazer dias para lembrar, fazer estátuas e ficar chorando pelo o que aconteceu, quando sabemos que aquelas pessoas não irão voltar. Já se passou 3 anos desde que aquilo aconteceu, não faz mais sentido gastar seu fôlego.
Em outro núcleo temos Tom (Chris Zylka). Filho de Kevin e que entrou para a seita de Santo Wayne (Paterson Joseph). Wayne é um personagem que intriga profundamente, pois a ideia dele poder curar a dor interna apenas com um abraço é uma loucura, porém, quando pensamos nisso de um ponto de vista social - ou até mesmo filosófico - ficamos tão suscetíveis a acreditar em crenças e numa promessa de "não mais dor" que o que seria mentira em uma situação normal, se torna uma verdade em uma situação de crise. Quando ele oferece isso a Tom, ele o nega. Tom de fato não perdeu ninguém de sua família, mas a dor que ele sente é profunda, devido ao fato de que tudo desmoronou após o evento, todos se foram e ele precisava ir também, além de não acreditar de fato em Wayne, ele sentia que precisava sentir toda aquela dor. Em contrapartida, Wayne tem um papel fundamental para o desenvolvimento de outra personagem de extrema relevância.
Nora (Carrie Coon) é de longe a personagem mais prejudicada pelo evento. Ela também é uma personagem que desperta grande curiosidade pela falta de demonstração de dor. Tudo o que ela sente está preso dentro dela, então fica por parte de seu figurino e dos elementos do cenário demonstrarem isso. Como as roupas escuras que ela usa, um rolo de papel toalha acabado em sua cozinha ou até mesmo o quarto dos filhos dela que parecem estar imaculados a três anos. A sensação é que ela parou no tempo. Quando Nora conhece Wayne por puro acaso, temos uma das linhas de diálogos mais emocionantes da série. Entendemos um pouco dessa dor que não só Nora, mas todos que perderam alguém sentem. Essa dor pode aliviar por diversas vezes, mas ela sempre vai voltar, todos nós que perdemos alguém entendemos essa dor. Quando Wayne livra Nora disso, sua vida, assim como suas roupas, clareiam, ela repõe o papel toalha, mas os quartos do seus filhos continuam lá. A dor passou, mas ela não os esqueceu.
O simbolismo é uma das coisas mais intrínsecas nessa primeira temporada. São tantos os momentos em que temos que parar para tentar decifrar o que a narrativa visual da série está tentando nos falar que acabamos perdendo uma coisa aqui ou ali. As atitudes dos personagens ou os elementos dos cenários tem muito a nos dizer. No piloto da série (que devo dizer foi um dos que mais me impressionou em relação a outros pilotos) temos elementos interessantes, como cachorros selvagens sem dono que andam livremente pela cidade, e Kevin no começo do episódio tenta se aproximar de um que parece assustado e é interrompido durante essa ação. No final do episódio esses cachorros atacam um cervo e o devoram. No nono episódio da temporada, a presença do cervo fica mais clara quando descobrimos que ele representa a bagunça a qual a vida de Kevin se tornou após ele matar um agonizando. Voltando ao episódio Piloto, ele de certa forma tenta salvar o Cervo matando os cachorros atirando neles. No último episódio da temporada, um desses cachorros selvagens, dessa vez vem até Kevin de bom grado e ele o leva para casa, sugerindo que agora as coisas vão melhorar.
Eu não lembro de ter sentido algo parecido ao que senti assistindo a The Leftovers. Eu senti raiva, dúvidas e me emocionei diversas vezes. Ela também me fez repensar sobre o que nós cremos e sobre nossa existência. O que houve no 14 de Outubro não mudou em nada a Natureza. 140 milhões de pessoas desapareceram sem explicação e o mundo continuou girando, apenas os que ficaram mudaram. A série fala com o espectador de forma sutil, por vezes agressivas, mas sempre tem algo por trás devido a um riquíssimo subtexto.
Somos aqueles que remanesceram, somos o resto, nos perguntando por que não fomos levados, se não éramos merecedores ou simplesmente com medo de que se repita. A série em nenhum momento sugere alguma explicação. Sentimos a todo momento que estamos olhando para o lado errado, estamos fazendo as perguntas erradas.
Leia Aqui um texto sobre a segunda temporada de The Leftovers