- Matheus P. Oliveira
Crítica: Paterson (2017)

Fonte (Imagem): Trbimg
Direção & Roteiro: Jim Jarmusch
Elenco: Adam Driver, Golshifteh Farahani e Barry Shabaka Henley
Ano: 2016
Nota (⭐⭐⭐⭐⭐)
Após os créditos iniciais, um casal aparece dormindo. Nesse mesmo plano, logo em seguida, aparece a legenda "segunda-feira". Por dedução, sabemos que vamos acompanhar toda a semana do casal, dia após dia, de maneira episódica - assim dizendo. O que temos aqui? Um filme pessoal e sublime, provando mais uma vez a marca de um autêntico ícone do Cinema Independente.
Para quem é admirador do cinema de Jim Jarmusch, notará muitos de seus elementos comuns nesse filme - conversas triviais, ausência de narrativa e as notáveis percepções das nuances humanas, como a melancolia, alegria e um discreto humor. Em 'Paterson', o olhar é puramente minimalista. Nele, Jarmusch faz questão de mostrar detalhes que, por outros diretores, seriam cortados (como uma cena de um almoço enquanto um casal fala de assuntos corriqueiros). Aqui, é claro, existe um contexto para isso, que se deve justamente à 'ausência de narrativa', que acaba por enfatizar os mínimos detalhes do cotidiano (aqueles que um desatento chamaria de 'cenas inúteis'). No núcleo da estória acompanhamos a rotina de Paterson (Adam Driver) - um motorista de ônibus - e de sua namorada Laura (Golshifteh Farahani) - simplesmente entusiasta de uma gama de coisas.
Vale lembrar que Paterson nomeia três coisas (a cidade e o protagonista), incluindo o próprio título do filme.
O que há de mais surpreendente em Jarmusch é sua habilidade plena de extrair conteúdo de uma atmosfera quase sem narrativa e acabar 'criando', paradoxalmente, uma narrativa. A razão por trás disso é o nível de profundidade dos personagens e das coisas que precisam fazer (acordar cedo, ir ao trabalho, almoçar e jantar com a namorada, passear com o cachorro e beber uma cerveja no bar). Dessa forma, o conteúdo são as atividades triviais das pessoas, onde nada sai do comum e todos fazem as mesmas coisas, todo santo dia. Seus pontos de fuga são os sonhos que um dia desejam realizar (outro elemento neste filme é o fato de muitas das pessoas da cidade sentirem vontade de ser alguém e fazer algo importante). São detalhes que fazem com que nos identifiquemos, e o fato de Paterson ser um aspirante à poeta enquanto dirige um ônibus reflete o que foi citado.
Aliás, na poesia, Paterson não parece procurar uma 'válvula de escape', muito pelo contrário, é na sua já conhecida rotina que ele tira inspiração para escrever seus poemas (uma prova disso é sobre as coisas banais que Paterson registra em seu caderno). Agora, se notarmos com atenção, sua 'fuga' é, na verdade, quando se encontra sentado em frente ao volante ouvindo as conversas dos passageiros. É nesse momento que ele encontra suas frustrações e alegrias naquelas pessoas, pois elas também são humanas. Por isso, a sua poesia é tratada como um hobby ao invés de profissão. Ele não é a única 'vítima' da rotina.
Ao contrário de Paterson, Laura (sua namorada) vive em casa, querendo sempre fazer algo diferente. Ora quer enricar vendendo cupcakes ora quer aprender a tocar violão para virar uma cantora de música country e, no meio disso, existe o hobby da pintura (e de pintar tudo o que vê pela frente, transformando a casa num filme do Tim Burton). Inclusive, é cômico observar o desagrado de Paterson ao observar sua casa se tornando cada vez mais 'gótica'. Laura, apesar de tudo, o incentiva fortemente a publicar seus poemas. Não se sabe se é por amor ao seu companheiro ou se é pela verdadeira qualidade das obras.
Pode-se destacar também a fotografia de Frederick Elms, bastante singular e observativa ao quesito personagem-ambiente, fazendo lembrar até Stranger Than Paradise (1984) e Mystery Train (1989). A câmera, inclusive, captura belas e abertas localidades da cidade, dando uma 'ar' para um filme que é sufocado pela rotina. A câmera mostra as mesmas curvas que o ônibus precisa fazer todo dia, em frente aos mesmos estabelecimentos, nas mesmas ruas, debaixo dos mesmos semáforos e das mesmas fileiras de carros. Basicamente somos apresentados aos cantos gélidos de uma cidade - como qualquer outra - contaminada pela monotonia do cotidiano, sufocando os que querem ser mais do que simples cidadãos que só estão vivos, mas sem viver.
O fato de 'Paterson' pertencer a uma atmosfera monótona é de longe algo negativo. É, certamente, o gatilho responsável pelas incessantes inspirações de Paterson ( e isto torna o filme diferente, justamente pela forma como trata a rotina, não a rotulando como um fardo para as pessoas, mas como algo que já se encontra alojado nelas). Por essas e outras que é observada a habilidade de Jim Jarmusch em desenvolver a verossimilhança dos personagens, não as transformando em pessoas apenas deprimidas nem com falsas felicidades, mas sendo apenas humanas. Apenas isso.