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  • Leandro A. de Sousa

The Leftovers (2º Temporada) - Não há milagres


Criador: Damon Lindelof & Tom Perrota

Elenco: Justin Theroux, Carrie Coon, Margaret Qualley, Chris Zylka, Christopher Eccleston, Liv Tyler, Ann Dowd, Janel Moloney, Kevin Carrol, Regina King, Jasmin Savoy Brown, Jovan Adepo e Scott Glenn.

Data de exibição: 29 de Junho de 2014 - Atualmente

Nota: ⭐⭐⭐⭐

 

No primeiro ano de The Leftovers o evento que leva aos conflitos da série é deixado de lado pois a proposta dela é focar em suas consequências e não em suas causas. Como disse no texto sobre a primeira temporada, o foco é a figura humana e seus conflitos interpessoais. A série explora sua natureza a fundo e de forma abrangente, dando espaço a todo momento para vários personagens interessantes dentro de sua narrativa. O segundo ano decidiu ir por um caminho um pouco diferente, isolando alguns dos personagens principais na pequena cidade de Jarden no Texas que é administrada por um parque chamado Miracle, lugar onde todos foram "poupados" no dia de 'A Partida'. O lugar se torna um santuário onde todos desejam ir para se sentirem seguros.

O intenso clima dramático da primeira temporada é substituído pelo suspense e uma atmosfera mais sombria na segunda. Mergulhamos mais a fundo na personalidade autodestrutiva de Kevin, de acabar consigo mesmo e com todos ao seu redor mesmo que não deliberadamente. Kevin (Justin Theroux) é um personagem extremamente intenso em sua forma de agir e pensar. Ele continua tentando a todo momento recuperar tudo o que foi perdido ao lado de Nora (Carrie Coon), Jill (Margaret Qualley) e da pequena Lilly. A série continua com um bom ritmo mas infelizmente inferior ao da primeira temporada.

O que compromete a narrativa do segundo ano de The Leftovers é a forma como Lindelof optou por contar a estória - de forma não linear e dando espaço muitas vezes para núcleos contados de forma menos interessantes ou que estes seriam pouco desenvolvidos, tratando esses núcleos em episódios únicos. Isso não é um grande problema, pois os principais núcleos tratados (o de Kevin e Nora e o de Laurie e Tom) são interessantes, mas personagens como Kevin ficam deixados de lado durante vários episódios para serem realmente explorados só nos últimos da temporada. Ainda sim, a série faz bem o seu trabalho, de explorar todos esses conflitos já citados, sentimos mais ainda as frustrações principalmente de Kevin e agora de Laurie (Amy Brenneman) que está desiludida com os Remanescentes Culpados. Ela se empenha em livrar os membros mais frágeis dela, dando suporte usando sua habilidades de psicanalista.

Ainda sim, The Leftovers é uma série tão competente na forma como aborda seus temas que, no geral, eu acabei deixando de lado seus defeitos e senti que o segundo ano conseguiu ser tão emocionante e chocante quanto o seu primeiro. A sua qualidade estrutural e narrativa superam qualquer defeito. O mistério é bem dosado e a série não trata o espectador com um idiota, pois é preciso um esforço verdadeiro para entendermos o que está nas entrelinhas de seu texto. O suspense fica muito a cabo de conduzir a estória, como já disse. É como se estivéssemos acompanhando uma bola de neve rolando montanha abaixo sem nunca chegar no chão. Todos os problemas vão se acumulando nas costas de Kevin e chega a ser agoniante acompanhar isso de perto.

A verdade é que parece que todo aquele ambiente familiar, a pressão psicológica sofrida e o novo local são basicamente uma tortura para Kevin. Isso se agrava com a loucura que toma conta da sua mente que é muito bem personificado por Patti (Ann Dowd). Kevin ainda não havia entendido o que aquele ato dela de se matar na sua frente havia significado. Vemos uma jornada para que ele conseguisse entender aquilo, disfarçada em uma luta dele contra a própria loucura - nos caso Patti.

Sinceramente, eu não sei bem como falar sobre o oitavo episódio da temporada (The International assassin). Quando Kevin decide (conscientemente) tomar caminhos extremos para acabar de vez com Patti e trazer Nora de volta, ele aceita que a única maneira de fazer isso acontecer era indo para onde Patti está. Não é novidade que The Leftovers tem dentro de sua narrativa um fortíssimo cunho religioso - basta assistir a série -, a ideia de que um Hotel possa, numa leitura superficial, o purgatório onde você precise saber quem é antes de se vestir (e o que você vestir vai decidir como você vai passar por esse purgatório) é no mínimo inesperado. Quando Kevin faz sua escolha e sela seu destino, ele se torna um assassino internacional. A profundidade do episódio se encontra em referência mínimas à literatura ou a mitologia grega como o fato de Kevin não poder beber a água do local, sendo uma clara referência ao rio Lete.

O fato de Patti ser, na verdade, uma criança naquele plano se deve ao fato da roupa que ela decidiu vestir ao chegar, um vestido que ela usara quando era criança. Crianças são medrosas e o medo dela se personificou no ogro que foi seu marido, um homem bêbado e com fetiches bizarros. Quando Kevin finalmente cumpre sua missão de matar Patti ele finalmente entende o que ela estava dizendo, dentro daquele poço frio e sujo, ele consegue entender a miséria que fora a vida dela antes do dia 14 e a importância deste para ela. Só então ele consegue voltar para o nosso plano.

O núcleo de Laurie e Tom (Chris Zylka), apesar de pouco aparecer, é excelente quando está na tela. Laurie após os eventos do último episódio da temporada passa a ter raiva dos Remanescentes pelo o que quase aconteceu a Jill. Ao mesmo tempo ela tenta superar todo o dano psicológico que esses anos na seita lhe causaram, filtrando todos eles para a raiva. Em sua raiva ela usa Tom para tentar trazer os Remanescentes de volta ao "mundo real". A falha de Laurie é representada por uma ex-membra em especial que parece ter sido recuperada, mas que infelizmente essa tentativa acaba em um desastre. Quando uma ideia se instala numa mente é muito difícil de retirá-la de lá. Os que vivem com os Remanescente já aceitaram sua condição e por isso não podem ser trazidos de volta. Como disse no último texto, eles sabem de algo que nós não sabemos, eles entendem mais a natureza de um ser humano destruído como ninguém. Se Laurie conseguiu voltar ao "mundo real" é porque ela nunca se esqueceu deles, e isso fica claro em cenas da primeira temporada como a que Laurie tenta pegar os isqueiro que Jill lhe deu ou o fato dela se preocupar em pedir a Kevin o divórcio. Ela não encontrou nos Remanescentes o conforto que procurava, e no final sua filha quase morre por causa deles.

Jarden se torna uma personagem dentro da série pela preservação do local e pelo misticismo ao seu redor. Um local onde todos foram poupados, um local onde milagres acontecem. Deus apontou para Jarden e disse-lhe que aquela é a Terra Prometida para os americanos. Basicamente essa é a ideia do local. Seria fácil demais dizer que a culpa de todos os problemas de Jarden começaram com a chegada de Kevin e à sua família - de fato começaram a aparecer, mas eles sempre existiram. John (Kevin Carroll) é um dos personagens introduzidos nessa temporada mais interessantes por ele ser um descrente em uma cidade de milagres, além de tentar derrubar qualquer um que tente provar que Jarden tem de fato milagres e por tentar disfarçar a estabilidade emocional dentro de sua casa, mas é muito pelo contrário. John é um descrente assumido, seu filho, Michael (Jovan Adepo) e sua esposa Erika (Regina King) também veem que tudo aquilo que se passa parece mais um teatro do que a realidade, mas diferente de John, não incendeiam as casas daqueles que querem lucrar com esse tais milagres, eles tentam dançar conforme a música. Há em Jarden uma felicidade de fachada, todos estão tão desesperados para manter essa imagem que se isolam dentro dessa terra prometida e somente alguns privilegiados podem entrar.

Meg (Liv Tyler) é um personagem interessante nessa temporada. Ela aparece pouco mas já na primeira vez que aparece é de uma forma inusitada e que abre espaço para muitas perguntas. A serenidade da personagem e sua aversão às regras dos Remanescente dão um ar ameaçador a ela junto a sua capacidade de mentir e manipular. Meg volta somente no penúltimo episódio da temporada quando temos o grande clímax da história e descobrimos o que aconteceu com Evie (Jasmin Savoy Brown) - que teria desaparecido no primeiro episódio.

Era incômodo não só para Meg como para todos os Remanescentes pensarem em uma cidade onde todos foram poupados e onde as pessoas fingiam ser felizes por causa disso, quando pode ter sido apenas sorte ou até mesmo uma praga - afinal, se foi mesmo o arrebatamento e ninguém foi levado, então eles não eram merecedores. É mais incômodo ainda um local assim ser tão restrito e se tornar um ponto turístico, um local tão cobiçado para se morar, mesmo que seja em um barraco - como é o caso de Matt (Christopher Eccleston) e sua esposa. O final da temporada é quase como uma vingança por parte dos Remanescentes, demonstrando que até na Terra prometida há dor, e com isso, deve haver uma lembrança viva. Com isso, a terra prometida é violada, e se torna a terra da perdição.

Leia Aqui um texto sobre a primeira temporada de The Leftovers.

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