- Leandro A. de Sousa
Brilho eterno de uma mente sem lembrança - Nos demos o direito de lembrar

Direção: Michel Gondry.
Roteiro: Charlie Kaufman.
Elenco: Jim Carrey, Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffallo, Tom Wilkinson, Elijah Wood, David Cross, Jane Adams, Debbon Ayer, Thomas Jay Ryan, Deirdre O'Connel, Gerry Robert Byrne, Paul Litowsky, Amir Ali Said e Josh Flitter.
Data de lançamento:
23 de Julho de 2004 (Mundial)
Nome Original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
Tudo o que somos, fomos ou seremos está dentro de nós em nossas lembranças. Nossas experiências nos moldam e dependendo de como lidamos com elas nos tornaremos pessoas melhores ou piores, porém, temos todo o direito de simplesmente não querer lidar com algum problema interno naquele momento no qual ele aparece, talvez a vida cobre algum dia, mas ela não pode nos obrigar, não naquele momento. Assim como temos o direito de sermos feliz, também precisamos do direito da infelicidade, da decepção, o direito de chorar, de sentir saudade e extrair o máximo possível disso. Brilho eterno de uma mente sem lembrança nos fala um pouco sobre quem somos, e sobre nossa incessante (ou insensata) busca do "não sofrimento". É uma tendência natural do ser humano, de não querer sofrer. A Felicidade plena simplesmente não existe, nem mesmo em um relacionamento que aparentemente tinha de tudo para dá certo. As pessoas são voláteis e quando o filme pega duas dessas extremamente impulsivas e inconstantes as suas maneiras, temos uma história de decepção amorosa que está ligada a Joel (Carrey) e Clementine (Winslet). O filme começa com ambos se conhecendo por um acaso em uma praia e logo em seguida, coincidentemente, pegam o mesmo trem na volta e conversam para se conhecer melhor. Na verdade, parece até que eles já se conheciam. Joel é um homem inseguro e que claramente carrega uma grande mágoa dentro de si e por isso não consegue se relacionar muito bem com outras pessoas, ele tenta mas nunca sabe o que fazer ou falar, além de se apegar facilmente a elas. Clementine é uma mulher livre, espontânea, do tipo "doidinha" que fala o que pensa e tem uma personalidade extremamente variável. Uma hora ela está feliz, outra triste, outra com raiva, outra entediada etc. E assim, o destino simplesmente junta duas pessoas que, em suma, não tem absolutamente nada a ver uma com a outra. Uma das coisas que eu mais gosto de reparar em filmes são como as cores são usadas de acordo com o que o personagem está sentido em determinado momento. No caso de Brilho eterno de uma mente sem lembrança o cabelo Clementine representa cada uma das fases do relacionamento dela com Joel. Como sabemos, o filme é contado de forma não linear e começa no ponto onde Joel já apagara Clementine de suas memórias e ela havia feito o mesmo. Quando ele conhece Clementine na praia, o cabelo da mesma está na cor azul só que descolorindo, indicando que a tristeza que ela estava sentindo logo iria passar. Enquanto eles estavam juntos e felizes, seu cabelo tinha um tom de vermelho muito forte, representando que o amor de ambos ainda queimava intensamente e quanto mais a relação deles esfriava, mais esse a cor ia se enfraquecendo até se transformar em um tom meio alaranjado. Chegamos ao ponto onde o cabelo de Clementine está completamente azul, no momento em que ela resolve fazer o procedimento. Há também o verde, que só aparece uma vez no filme, quando ambos se conhecem naquela praia, indicando esperança.
É interessante pensar como a montagem do filme consegue nos enganar. Por diversas vezes, era impossível (para quem nunca assistiu ao filme ou leu qualquer coisa sobre ele) perceber do que tudo aquilo se tratava nos primeiros momentos, e essa montagem ainda ajuda a perceber logo no início que ambos iriam se juntar com um Raccord no momento em que estão no restaurante sentados em uma mesa e esse movimento deixa com a sensação de que eles estão na mesma. Além das cenas onde Joel está no procedimento em que várias vezes, no corte seguinte, Clementine já não estava mais ali.
O filme também nos fala sobre a felicidade do esquecimento e/ou da superação. Em um trecho onde a personagem de Kirsten Dunst faz uma citação, deixa isso ainda mais claro: “Feliz é o destino da inocente vestal. Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Toda prece é ouvida, toda graça é alcançada.”
Já não havia mais felicidade no relacionamento de Joel e Clementine, apenas brigas e desavenças devido a total diferença de suas personalidades. O limbo onde Joel fica no momento em que faz o procedimento para esquecer Clementine não é nada mais do que o processo de superação pelo qual todos nós passamos quando estamos tentando superar uma decepção. É algo inalcançável, simplesmente não podemos apagar alguém de nossas memórias por mais que queiramos.
Joel era um homem esquecido. Clementine queria ser esquecida pelo mundo. Ambos se encontram e enquanto um sana sua vontade de ser lembrado o outro fica preso em algo que para si próprio não era premeditado. Clementine não resolveu fazer o que fez por impulso, fez pois achava que seria menos doloroso para ela, e de fato foi, contando que somente Joel é quem sofre nessa história no primeiro momento, até que resolve fazer o que fez, pois ele precisava entender o que ela sentia. Por isso o filme não nos mostra todos os momentos de ambos de uma forma linear antes dele apagar Clementine de sua mente, ele nos mostra exatamente nesse momento para que não só Joel, mas nós também nos arrependamos de querer esquecer aquilo que por mais doloroso que tenha sido, nos ajudou a amadurecer.
É clichê dizer que o sofrimento amadurece, mas é verdade, e como foi dito, é preciso sofrer para aprender. A felicidade é boa mas ela sem sofrimento é incompleta, é menos saborosa, não há nenhum sentimento de recompensa (quem assistiu "Divertidamente" sabe disso). Por isso é necessário que sejamos tristes, para sermos completos, e sempre lembrar que aquilo que nos fez sofrer faz parte de nossa história. Não existe felizes para sempre, no final Joel e Clementine ficam juntos novamente, provavelmente ainda mais unidos depois de tudo isso, pois ambos tiveram o direito de lembrar.
Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Adora estudar sobre montagem, fotografia e mixagem de som, mas tem dificuldades de passar isso para um texto por medo de falar bobagem. Ainda explorando essa incrível sétima arte, mas tem uma ligação mais forte com as séries de TV. Aspirante a Crítico de Cinema e a escritor de Livros que provavelmente só vão ser conhecidos por seus amigos e familiares. Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor. Twitter: _leandro_sa Instagram: leandro.as