- Leandro A. de Sousa
The Handmaid's Tale é a melhor estreia de 2017 e um soco no estômago

Criador
Bruce Miller
Elenco
Elisabeth Moss, Joseph Fiennes, Yvonne Strahovski, Alexis Bledel, Max Minghella, Samira Wiley, Ann Dowd, Madeline Brewer, O. T. Fagbenle, Amanda Brugel, Edie Inksetter, Erin Way, Ever Carradine, Jim Cummings e Jordana Blake.
Data de Exibição
26 de Abril de 2017 - Atualmente
Nota
⭐⭐⭐⭐⭐

O principal motivo pelo qual sempre devemos ouvir e estudar história é aquele que diz que não podemos esquecê-la para não repetirmos seus erros (sempre foi minha matéria favorita na escola). Até 2014 mais ou menos, meu sonho era cursar e lecionar história, até eu descobrir que gostava mais de Cinema. Meu assunto favorito de história, claro, era a Segunda Guerra. Era instigante e ao mesmo tempo amedrontador pensar como o povo Alemão apoiou um homem como Hitler, que em seus discursos de ódio dizia que queria a soberania de uma raça que julgava ser superior. Quando vemos mais a fundo, percebemos que Hitler simplesmente não entrou na casa das pessoas e as obrigou a fazer o que fizeram, ele se aproveitou do sentimento de humilhação e de medo daquele povo que estava destruído depois de uma derrota na Primeira Guerra. O ódio na Alemanha, se infiltrou através do medo, e desse medo foi escrito o capítulo mais sombrio da história da humanidade. A pergunta é: Algo como o Nazismo poderia se repetir? Bom, talvez. Em The Handmaid's Tale, temos uma ideia de como seria se algo assim acontecesse novamente.
The Handmaid's Tale nos mostra um presente distópico onde devido a alta taxa de poluição, a maior parte da população se tornou infértil e através disso nasceu uma revolta religiosa que tem como objetivo purificar os Estados Unidos. As mulheres que ainda são férteis são designadas a famílias de comandantes para cumprir seu "destino biológico", estas são chamadas de "Aias". June (Moss) foi capturada e agora se tornou Aia dos Waterford. A verdade é que para acompanhar ao longo de dez episódios esse destino sendo cumprido, é preciso não só ter estômago, mas ter em mente que The Handmaid's Tale muito além de um reflexo de nossa sociedade atual, pode ser um aviso.
O ambiente, as ações e o condicionamento que cada uma das mulheres férteis passa, faz uma metalinguagem com a nossa realidade. Em cenas, quando ainda no Centro Vermelho, Janine (Brewer) relata um estupro que sofrera e uma Tia (Dowd) - mulheres designadas para treinar e disciplinar as Aias - faz com que todas apontem para ela como se fosse culpa dela, claramente demonstra um pensamento estupido que muitos tem, como se algo assim fosse culpa da vítima. Não bastasse, a situação é colocada com uma forma de lição, para que nunca mais "pecasse".
A série vai ainda mais fundo e além da clara demonstração de uma sociedade extremamente machista, nos mostra ainda a violência e a lógica absurda desse regime totalitário, onde agora, não existe mais EUA, e sim Gilead. A constituição é totalmente baseada na bíblia, os costumes são os tradicionais e mulheres perderam todos os direitos conquistados em todos esse anos. É basicamente um retorno à idade das trevas. Não só as Aias, mas também as mulheres dos comandantes, que são obrigadas a fazerem parte de uma "cerimônia", onde observam seus maridos estuprarem as Aias.
Uma característica a se notar de extrema importância é a forte presença do design de produção, onde as vestes, principalmente das mulheres, nos dizem muito sobre aquela sociedade: As Aias sempre usam o vermelho, representando uma paixão que elas supostamente devem demonstrar pelo o que fazem, porém sempre com uma touca branca, demonstrando a pureza que deve ter em suas mentes, a iluminação de Deus em suas cabeças; As senhoras dos comandantes sempre vestindo verde, a esperança de que as Aias engravidem e elas não tenham mais que presenciar seus maridos estuprando outra mulher na sua frente; As Martas, criadas, sempre usando Cinza, uma cor neutra, elas estão ali somente para servir; e as Tias, que usam o Marrom, que ao mesmo tempo que representa uma simplicidade, também representa uma firmeza e a responsabilidade que elas tem para com as Aias. Tudo isso faz parte da semiótica que é um dos suportes principais da narrativa.
Na série, não somos poupados de cenas revoltantes e que reviram o estômago, ao mesmo tempo que ela não nos poupa de seu simbolismo e com isso nos apresenta a todo momento personagens multidimensionais e somos introduzidos a uma dualidade destes de forma sútil. A narração em off que Offred faz nos primeiros episódios, nos mostrando o lado de sua personalidade, a qual é proibida exibir perante aqueles que a tem agora, mas ao longo dos episódios vemos uma revolta natural brotando em seus diálogos e até mesmo monólogos onde o incrível trabalho da atriz Elisabeth Moss se destaca pois ela consegue passar de forma natural a personalidade subversiva de sua personagem.
Além é claro dos constantes flashbacks que aparecem em praticamente todos os episódios para nos mostrar como tudo chegou aquele ponto, e felizmente, tais flashbacks não se limitam somente ao passado de Offred e sua família, nos mostrando o passado inclusive dos Waterford e de Nick (Minghella). Mais do que tudo, mostra a intensa participação da Sra. Waterford (Strahovski), que antes era uma mulher forte e inteligente (não que tenha deixado de ser após o inicio do regime) e que teve grande participação nisso tudo, além de depois ainda descobrirmos que ela escreveu algumas das leis que guiam aquele mundo, o que torna tudo não só revoltante, mas confuso, quando nos pegamos pensando que para que aquele mundo fosse conquistado por fascistas ultra conservadores, precisou que uma mulher escrevesse as leis que iriam tirar a liberdade de todas as outras, incluindo a dela. E fica ainda mais claro que o sofrimento daquilo tudo não está pousado somente nas Aias, quando uma embaixadora Mexicana comenta que leu o livro dela "A Woman's Place", e cita um trecho desse mesmo: "Nunca confunda a mansidão de uma mulher com fraqueza". Uma frase que define não só ela, mas todas que estão ali.
E com isso, quando essa mansidão se esvai, vemos cenas que não são nada mais do que um grito de socorro, como na qual uma ex-companheira de compras de Offred, agora Offsteven (Bledel), resolve entrar em um carro e sair dirigindo em círculos em uma praça, falando novamente conosco e criticando o esteriótipo de "Mulher no volante, perigo constante", já que nessa sociedade as mulheres também estão proibidas de dirigir. Mas tais sopros de liberdade podem vir de formas ainda mais calmas e sutis, como quando Moira (Wiley) chega no Canadá e se depara com algo espantoso para alguém que acabara de fugir do inferno: A liberdade de escolha.
E tal inferno, se limita somente às mulheres, onde "não existem" mais homens estéreis - tal palavra que também fora proibida. Claro que a realidade é diferente, e muitas Senhoras de Comandantes optam por métodos alternativos para que suas Aias engravidem, com isso, temos um romance que até então não tem uma grande função narrativa. E se Offred, que segundo ela mesma, disse que no momento em que ia fazer sexo com Nick pensou consigo mesma que sentia que estava traindo Luke (Fagbenle), por que a mesma volta na noite seguinte para repetir o ato? Mas agora com paixão, representado no vermelho de seu vestido. Bom, no fim das contas, o condicionamento fez com que não só ela, mas todos ali não tivessem poder de escolha, nem ela e nem Nick. Assim, o sentimento nascera sem consentimento, apesar de não ter uma grande função na estória a não ser causar conflitos não muito relevantes.
The Handmaid's Tale fala tanto sobre sua estória quanto sobre nós mesmos, talvez não seja justo comparar o que acontece na série com o Nazismo, mas ainda assim, olhemos o contexto onde em ambos um seleto grupo perdeu todos os seus direitos, além de serem descartáveis se estes já não tem mais forças para servir. A vida humana se torna apenas um produto onde se vier com defeito, deve ser eliminada, ou apenas deixada de lado e posto como enfeite, como acontece com as mulheres dos comandantes. A temporada pode parecer terminar com um tom pessimista, com Offred sendo presa por se negar a tirar novamente uma vida em nome de um certo Deus. Mas vemos um sorriso em seu rosto quando esta sendo levada, provavelmente se lembrando daquilo que a Aia antes dela escrevera dentro daquele closet.
Nolite te bastardes carborundorum.
Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Adora estudar sobre montagem, fotografia e mixagem de som, mas tem dificuldades de passar isso para um texto por medo de falar bobagem. Ainda explorando essa incrível sétima arte, mas tem uma ligação mais forte com as séries de TV. Aspirante a Crítico de Cinema e a escritor de Livros que provavelmente só vão ser conhecidos por seus amigos e familiares. Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor. Twitter: _leandro_sa Instagram: leandro.as