- Leandro A. de Sousa
Crítica | O Estranho que Nós Amamos (2017)

Direção e Roteiro
Sofia Coppola
Elenco
Nicole Kidman, Kirsten Dunst, Elle Fanning, Colin Farrel, Angourie Rice, Oona Laurence, Addison Riecke, Emma Howard, Wayne Pere e Matt Story.
Data de Lançamento
10 de Agosto de 2017 (Brasil)
23 de Junho de 2017 (Exterior)
Nome Original
The Beguiled
Nota
⭐⭐⭐⭐

É sempre interessante notar alguns detalhes da Mise en Scène de um filme para o outro. Por exemplo: em O Estranho que Nós Amamos de 1971, temos um visual muito mais iluminado do que em sua nova versão, com figurinos simples e excelentes interpretações; era surpreendente presenciar uma atuação tão vigorosa partindo de uma jovem Pamelyn Ferdin, que conferia inocência e passava ares apaixonados pelo soldado ferido mesmo sendo tão nova. Além de um Clint Eastwood mais novo, interpretando o soldado da união John McBurney (ou simplesmente senhor McBee), o qual foi responsável pela perversão de um lugar que até então era 'imaculado'.
Em O Estranho que Nós Amamos, somos colocados no século XIX durante a Guerra Civil Americana, onde conhecemos a pequena Amy (Laurence) logo no inicio. Enquanto ela colhia cogumelos em um bosque, encontra um soldado da união (Farrel) ferido e o leva até um internato onde só vivem mulheres. A diretora, Sra. Martha (Kidman), o acolhe de forma relutante, para que cuidasse do homem até que ele se recupere para que o entregue aos soldados da confederação, já que apesar de tudo, John era visto como um inimigo pelas moças, mas ao mesmo tempo, a chegada dele causa certos distúrbios naquele local, acabando por mudar a rotina delas.
Em sua releitura de 2017, Sofia Coppola não só aborda a estória de forma pouco íntima, como também menos impactante, contudo, traz em sua narrativa momentos mais diretos, abusando de elipses para que aqueles que desconhecem a estória do filme original, fiquem supondo como aquele personagem ou situação chegou aquele ponto - como John estar com uma barba no começo da projeção, e em uma cena seguinte estar sem -, dando mais liberdade para que imaginemos o desenrolar da estória.
Sofia foi responsável por escrever e dirigir o perturbador As Virgens Suicidas (e isso é um comentário positivo, acreditem) e o belíssimo Encontros e Desencontros. Em seu novo filme, o que observamos em sua narrativa, é a sua intenção de ser muito mais tenso do que impactante. É notório o uso (ou a ilusão disso) de luz natural em quase todas as cenas, deixando aquele local menos aconchegante o possível para o espectador. Ainda tendo o auxílio de pouquíssimo uso de trilha sonora, Sofia estabelece um clima pouco convidativo ao filme, mas ao mesmo tempo, o torna interessante e percebemos que apesar de não conversar com o público, ele tem muito a dizer. A maioria das músicas que ouvimos, são diegéticas, tocadas pelas próprias moças, para que seja posto um pouco de vida na casa, mas são poucos esses momentos, em breve seremos jogados novamente no escuro.
Em todos os seus filmes, Coppola trabalha com a figura humana como sendo o ponto crucial de suas estórias, em O Estranho que Nós Amamos não é diferente. Kidman confere à sua personagem um senso de responsabilidade misturado a uma certa malícia. Sendo boa atriz como ela é, consegue passar essa sensação apenas com o olhar e com suas expressões - sejam elas faciais ou corpóreas -, dando a entender que já faz muitos anos que esteve nos braços de um homem. O que aliás, também pode ser visto em Edwina (Dunst), que assim como na adaptação original, é a que tende a cair aos pés de Mcburney.
Dunst tem como função dar vida a uma personagem que é arquétipo dos filmes de Coppola: a pessoa solitária. Vemos isso em filmes como Encontros e Desencontros, Maria Antonieta (também com Dunst, no papel principal) e em Um Lugar Qualquer. E há uma comparação interessante que pode ser feita entre esse último e o novo filme da Diretora, em ambos ela usa uma arma poderosa para abordar seus personagens: O Silêncio.
Tomando a decisão interessante de colocar a narrativa do ponto de vista das moças ao invés do de McBurney como no filme original, a trama nos poupa de algumas cenas um tanto quanto incômodas, a melhor que posso citar, sem dúvida, é a da perna, que no original, apesar de não ficar explícito, era possível que víssemos ela sendo cerrada através de uma sombra na parede. Como disse, chocar não é a intenção desse filme.
Mas isso não pode ser colocado como um defeito, afinal, se é preciso ser feito um remake de um clássico, que ao menos se faça de forma diferente. Apesar de ser um filme dos anos 70, algo ruim na primeira adaptação do Romance, era a exposição que havia ao longo da estória, como os vários momentos em que ouvíamos os pensamentos dos personagens e flashbacks constantes, além de várias fusões que eram usadas em cenas, com uma em específico que lembrava O Bebê de Rosemary. A sensação que tive ao assistir a nova versão, é a de que tudo passava muito rápido, e isso de certa forma não me parecia certo, mas depois percebemos que Sofia acerta aonde o filme original erra.
Usando novamente um exemplo de elipse, na versão de 71, a personagem Carol - a qual Elle Fanning deu vida na nova adaptação, mas com o nome de Alicia - passa boa parte do filme tentando seduzir o Cabo John McBurney, e temos um grande desenvolvimento, tornando esse um dos arcos dramáticos principais da trama. Nesse, Sofia opta por tornar o arco mais simples, usando apenas uma cena para que ficasse claro as intenções de Alicia. Quando vemos, McBurney já está no quarto da garota.
Isso acaba por deixar a narrativa mais ágil, refletindo também em sua montagem. O uso Fade-Out e Fade-in por exemplo, sempre ocorre quando há uma mudança significativa no estado do Cabo McBurney. Como no qual ele já está conseguindo andar com a bengala.
Talvez a maior pena dessa nova versão seja o fato do Cabo Mcburney perder substancialmente sua complexidade, dando vida a um simples soldado com tesão misturada a uma vontade de sobreviver. O jogo de manipulação é trabalhado de forma rasa tornando assim, ele inferior ao seu original nesse aspecto. Mas mesmo um ator limitado como Farrel não atrapalha a narrativa, pois como já elucidei no parágrafo anterior e gostaria de corroborar nesse, o filme é contado pelo ponto de vista das moças do internato, vemos o filme principalmente através dos olhos de Sra. Martha, e Kidman dá mais do que vida a sua personagem, ela dá substância e complexidade, fazendo isso com poucos recursos apelativos como narrações e flashbacks. Se você conhece a estória do original, sabe que Sra. Martha guarda um segredo do seu passado, mas nesse, sequer é tocado no assunto, exigindo que esse sentimento ligado à luxúria que é despertado com a chegada de McBurney, seja apresentado pela atriz de forma orgânica, dando assim, uma personalidade contida e misteriosa, mas que com o passar da projeção, torna-se prazeroso desvendá-lá.
E se levarmos mais ainda em consideração o histórico da Diretora, podemos dizer que O Estranho que Nós Amamos também se trata de uma estória da busca humana por outro alguém. Edwina ilustra isso quando logo se sente apaixonada por McBurney. O que podemos notar é que Dunst impõe a sua personagem uma tristeza misturada à amargura de estar presa ali. Em McBurney ela vê a chance de poder se ver livre daquele local, ao mesmo tempo que vê a chance de um novo amor (ou o primeiro). A cena que demonstra isso e ainda reforça a ideia é a qual Edwina empurra Sra. Martha, que seria aquela que a prende naquele local, para ir atrás de McBurney que seria sua chave para fora dele.
Tenso e sombrio, O Estranho que Nós Amamos termina assim como começou. As moças carregam o problema para fora da mesma forma como carregaram para dentro, e distante, o olham assim como o olharam ao longo dos dias. Não se nota mudanças reais nelas, afinal, o que mudou estava preso novamente, assim como a luxúria que aquele visitante despertara.
Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Adora estudar sobre montagem, fotografia e mixagem de som, mas tem dificuldades de passar isso para um texto por medo de falar bobagem. Ainda explorando essa incrível sétima arte, mas tem uma ligação mais forte com as séries de TV. Aspirante a Crítico de Cinema e a escritor de Livros que provavelmente só vão ser conhecidos por seus amigos e familiares. Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor.
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