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  • Leandro A. de Sousa

Crítica | Bingo: O Rei das Manhãs (2017)


Direção

Daniel Rezende

Roteiro

Luiz Bolognesi

Elenco

Vladimir Brichta, Leandra Leal, Ana Lúcia Torre, Augusto Madeira, Tainá Müller, Cauã Martins, Emanuelle Araújo, Domingos Montagner, Pedro Bial, Raul Barretto, Fernando Sampaio, Soren Hellerup e Cid Cidoso.

Data de Lançamento

24 de Agosto de 2017

Nota

⭐⭐⭐⭐⭐

 

Eu não vivi os anos 80, todo o meu conhecimento dessa época veio através de pessoas mais velhas, internet, música e claro, do Cinema. Eu apenas sei que a programação dessa época, principalmente a infantil, talvez não fosse muito bem aceita nos dias de hoje, até porque não creio que a Xuxa de maiô cavado seria muito bem visto, o que aliás, me lembra da programação tanto infantil quanto dominical de meus 5 a 12 anos, entre 2003 e 2010. Acredito que a coisa mais absurda que eu tenha visto na TV em 19 anos, foi a banheira do Gugu ou um dançarino se esfregando na Vanessa Camargo em um programa da Eliana. Nem em meus sonhos mais sórdidos, eu imaginaria um palhaço dançando com a Gretchen em plena luz do dia em um programa infantil.

Inspirado na história real do palhaço Bozo, Bingo: O Rei das Manhãs conta a estória de Augusto (Bichta), um ator de pornochanchada que por incentivo de seu filho, resolve procurar algo melhor no meio artístico. Indo a um teste para uma novela da emissora TVP (leia-se SBT), ele acaba fazendo teste para ser apresentador de um programa infantil, o qual estaria caracterizado como o palhaço Bingo e ninguém poderia saber de sua verdadeira identidade.

"Identidade" é, sem dúvida, um dos pontos chave do longa. Eu não assisti ao programa do Bozo e provavelmente se tivesse nascido nessa época eu iria preferir ver o programa da Xuxa na TV Mundial... ops! Digo, Globo. Mas a questão que o filme trata não é necessariamente essa. É um filme sobre o artista e não sobre a obra. Com uma estrutura narrativa que lembra muito Boogie Nights, Bingo: O Rei das Manhãs mostra uma estória de ascensão, glória e "queda". O problema é que Augusto já estava fadado à queda, assim como a glória, e os motivos são simples, e o filme os deixa claros. No momento em que o roteiro de Bolognesi decide não romantizar, mas mostrar de forma crua a vida dos bastidores do palhaço Bozo, aquela velha piada que Rorschach conta em sobre o palhaço que vai ao médico me vem a cabeça.

Através de Cocaína, sexo e alcoolismos, conhecemos a estória de um homem triste e inconsequente, um pai que não consegue dar atenção ao próprio filho - apesar de ficar claro o amor que ele sente pelo pequeno Gabriel (Martins). E ainda mais irônico é que logo no começo do filme vemos que Augusto leva seu filho a gravação de um de seus filmes impróprios, o que motiva o garoto a pedir para o pai que fizesse algum filme infantil.

Além de uma performance criativa e engraçada que Vladimir confere tanto ao Bingo quando ao Augusto, que consegue fazer com que sintamos o verdadeiro clima dos anos 80 (até mesmo eu, que não vivi a época), é de se destacar o trabalho da Direção de Arte, que com figurinos, os carros e os equipamentos usados na época, consegue nos transportam diretamente para uma sala em frente a uma TV. Isso acontece somente por alguns segundos ao longo da projeção, já que mesmo durante o show, temos acesso aos bastidores, que são controlados por Lúcia (Leal), a ponte entre o Augusto e Bingo, onde ela é tudo o que Augusto não é. Um é o reflexo do outro.

Apesar de vigorosa em seu trabalho e atitudes, Lúcia é uma mulher fechada, vemos isso bem no seu figurino, que além de andar o tempo inteiro com o cabelo preso, sempre usa roupas que pouco mostram de seu corpo, isso sem falar no fato dela ser evangélica ferrenha, que abdica de qualquer prazer carnal, inclusive o álcool, novamente, nos mostrando ser o verdadeiro oposto de Augusto. E é irônico como Augusto a todo momento pede para que ela mostre o seu verdadeiro lado, já que bastava apenas que ele olhasse para o espelho para enxergar isso.

Não há como negar a tristeza que o filme carrega em sua narrativa. Com uma montagem ágil - que novamente lembra Boogie Nights -, o filme tem um ritmo acelerado, dando uma boa noção da evolução de cada um dos personagens. O filho de Augusto é um perfeito exemplo disso. Há uma verdadeira química entre os dois nos primeiros momentos do filme, que se quebra enquanto Augusto vai se entregando cada vez mais ao personagem, vemos isso quando, por exemplo, Augusto desmarca uma ida ao cinema com o filho, pois precisava trabalhar, logo em seguida ele vai abraçar outras crianças que estavam no estúdio. Isso nos leva a uma das cenas mais triste dos filme, que é quando o filho dele liga para o programa chorando, dizendo que ele brinca com todas as crianças do mundo, exceto com ele.

E esse afastamento pode vir ainda mais à tona com um simbolismo que a direção nos proporciona, com um enquadramento no apartamento de Augusto em um televisor, com Gabriel de frente para o aparelho enquanto seu pai esta do outro lado, dando ênfase a esse distanciamento.

E se Brichta dá vida a Bingo, ele consegue dá alma a Augusto, mostrando dessa forma uma atuação que a primeira vista parece simples, mas que claramente há um empenho real do ator, no que diz respeito a sua atuação expressiva, oral e corpórea. É interessante o ritual que ele faz antes de entrar em cena, como se estivesse rezando ou apenas pedindo uma certa ajuda a algo.

Dito isso, é preciso justificar as aspas quando mencionei a "queda", afinal, como sabemos, houve mais de um ator interpretando o palhaço Bozo. E depois de tanta paranoia e esquizofrenia por parte de Augusto, vemos ele sendo substituído de forma fria, sem sequer haver um aviso ou algo do gênero, apenas mostra ele chegando ao estúdio e vendo outro fazendo teste para o papel. E o que seria uma alegria para o pequeno Gabriel, acaba se tornando um pesadelo para Augusto, após deixar que Gabriel bebesse uma garrafa de uísque inteira - é preciso frisar que na cena Augusto estava inconsciente -, é impedido de ver o garoto pela mãe.

É interessante pensar que de certa forma, quem criou  Bingo foi o próprio Augusto, não importa que ele tenha sido feito nos EUA, ele deu uma característica das Terras tupiniquins ao palhaço e esse foi o motivo de ter feito tanto sucesso, pois como ele falou para Peter (Hellerup), o homem que trouxe o Bingo para cá, o Brasil não é para iniciantes. Por ele ter dado todas essas características ao palhaço e moldado ele a nossa forma, era como se Bingo fosse parte intrínseca dele agora, e a cena na qual Augusto novamente está tendo ilusões, onde na TV ele enxerga o palhaço e isso é como se fosse um pesadelo, ilustra perfeitamente o que digo (e parabéns a direção pelo excelente plano longo que há nessa cena, onde saímos da casa de Augusto vendo ele no chão inconsciente e sangrando, e somos levados ao hospital onde o vemos na cama de hospital).

Para Augusto foi preciso perder tudo para que percebesse que ele precisava de pouco, inclusive quase perder a vida. Era preciso que ele enxergasse que era maior que a própria criação (mesmo que fosse apenas para sua família e Lúcia). E como Bingo nunca saiu de Augusto, nada o impedia de continuar interpretando o palhaço. Não era necessário um grande estúdio, cheio de câmeras e recordes em índices de audiência, bastava um palco e o público, seja este qual fosse, pois assim como Bingo em Augusto, há uma criança dentro de nós. Podemos ser ela a qualquer momento.

Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Adora estudar sobre montagem, fotografia e mixagem de som, mas tem dificuldades de passar isso para um texto por medo de falar bobagem. Ainda explorando essa incrível sétima arte, mas tem uma ligação mais forte com as séries de TV. Aspirante a Crítico de Cinema e a escritor de Livros que provavelmente só vão ser conhecidos por seus amigos e familiares. Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor.

Twitter: _leandro_sa

Instagram: leandro.as

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