- Leandro A. de Sousa
Crítica | It - A Coisa (2017)

Direção
Andy Muschietti
Roteiro
Andrés Muschietti, Gary Dauberman, Cary Fukunaga, Chase Palmer e David Kajganich
Elenco
Bill Skarsgård, Jaeden Lieberher, Finn Wolfhard, Sophia Lillis, Jack Dylan Grazer, Wyat Oleff, Chosen Jacobs, Owen Teague, Nicholas Hamilton, Jackson Robert Scott, Stephen Bogaert, Jake Sim, Megan Charpentier, Javier Botet e Ari Cohen.
Data de Lançamento
07 de Setembro de 2017 (Brasil)
08 de Setembro de 2017 (Exterior)
Nome Original
It
Nota
⭐⭐⭐⭐

Não sou um grande fã da versão de 90 de It - A Coisa, mas acredito que há justificativas plausíveis para isso: assisti muito velho (sendo criança eu ficaria impressionado com o aspecto do filme, e acima de tudo, ficaria com medo) e não assisti em seu formato original dividido em duas partes, já que foi um filme para TV; em vez disso, assisti em sua versão de mais de 3 horas de duração, sendo assim, achei o filme longo demais e até mesmo maçante. Todavia, é um bom filme, sem dúvida, e que nos mostra uma filosofia interessante ligada ao medo: se o alimentarmos, ele ficará maior e mais assustador. Além disso, tínhamos a cínica atuação de Tim Curry como o Palhaço Pennywise, que mesmo com tons caricatos em sua performance e em seu estilo (o que é de se esperar), era fácil achar aquela figura amedrontadora e cômica ao mesmo tempo.
Baseado no romance "A Coisa" de Stephen King, It - A Coisa conta a estória de 4 amigos - Bill (Lieberher), Richie (Wolfhard), Eddie (Grazer) e Stanley (Oleff) - que decidem investigar o desaparecimento do irmão de Bill, Georgie (Scott), o qual está sumido há um ano. Além disso, vamos descobrindo a sangrenta história da cidade de Derry através das pesquisas de Ben (Taylor), que mostra que eventos bizarros que assolam o local acontecem desde a sua fundação, o que leva a uma aventura medonha onde, agora os sete - adicione nessa conta Beverly (Lillis) e Mike (Jacobs) - precisam enfrentar uma criatura que toma a forma do palhaço Pennywise (Skarsgård), o qual as crianças batizam simplesmente de "A Coisa".
Se situando no final dos anos 80 (entre 1988 e 1989), It - A Coisa tenta de forma honesta ser uma nova adaptação da obra original e não um reboot do primeiro filme de 1990 - apesar de soar como um um. O que vale ressaltar, é a escala com a qual tudo acontece, e a velocidade. O meu problema com a adaptação de 1990 é a linguagem empregada na narrativa, no qual o filme usa flashbacks e vamos e voltamos no tempo para conhecer a estória de cada uma das crianças e como foi o encontro delas com o Palhaço Pennywise. Na nova versão, o encontro entre o palhaço e as crianças acontece de forma mais rápida, porém, isso não deixa a narrativa atropelada, pois tudo é feito de forma clara. A sugestão do medo em certas partes, acontece justamente para entendermos como ele é relativo. Além disso, o ponto alto da trama é o enfrentamento do medo que todas as crianças tem que conferir em sua batalha contra A Coisa.
Georgie tem medo de lugares escuros. Antes de mais nada, vemos que ele precisa descer até um porão para buscar a cera para o seu barquinho de papel. Com a bela e clássica cena de abertura, onde o garoto corre atrás de seu brinquedo na chuva, é irônico que Pennywise apareça justamente em um lugar escuro e úmido como um bueiro. Mais irônico ainda, é se levarmos em conta que A Coisa é apenas a imaginação daquelas crianças, onde ele aparece somente de acordo com o medo delas. É preciso considerar que a imaginação delas é algo poderoso, ao ponto de que seus medos dão forma a esse ser monstruoso.
O que aliás, me leva a verdadeira essência do filme, que é o companheirismo entre as crianças. Existe aqui o arquétipo de 'nerds' que vivem sendo zoados na escola por valentões e que precisam lidar com seus próprios problemas internos. Bill tem de lidar com o desaparecimento do irmão (acreditando piamente que o menino ainda está vivo), enquanto todos a sua volta, incluindo seu pai, acreditam que o garoto está morto. É curioso que não haja uma relação mais aprofundada entre Bill e os seus pais, chegando ao ponto de que sua mãe só aparece uma vez em cena, tocando um piano ao fundo, criando um som diegético enquanto Georgie desce as escadas do porão; em contrapartida, Beverly tem problemas com as mudanças de seu corpo, vemos a garota envergonhada por ter que comprar absolventes na farmácia, além de ter adversidades com seu pai, que de forma implícita, fica sugerido que o mesmo abusa da garota. Isso acontece pois há uma demonização da figura adulta no longa; eles pouco aparecem, e se aparecem, são os causadores de algum problema. Isso ainda se representa no grupo de garotos mais velhos que pratica Bullying com o grupo dos perdedores. O líder, Henry (Hamilton), tem atritos com seu pai e por isso desconta em seus colegas na escola, chegando a pontos extremos, como marcar sua inicial na barriga de Ben em um momento.
Em nossa sociedade, os medos estão cada vez mais palpáveis, temos medo de sacarmos nossos celulares na rua ou de ler os jornais e descobrirmos novamente líderes de países ameaçando uns aos outros com bombas nucleares. O medo de monstros foi deixado de lado e sendo assim, os filmes de terror, mesmo sendo fictícios, precisaram mostrar seu pé na vida real. Em It - A Coisa, Henry é esse pé na realidade, representando o Bullying, se torna a ameaça real para aquelas crianças, podendo ser tão perigoso quanto o próprio Pennywise, a única pena é a resolução para o personagem, sendo tão rídícula que o fato de Pennywise tentar possui-lo para atacar as outras crianças perde o sentido.
Além disso, a recriação de época muito bem feita (no cinema da cidade, temos em cartaz o primeiro Batman dirigido por Tim Burton e Máquina Mortífera 2; vemos que a AIDS, ainda um tabu na década de 80, é tratada como uma doença que pode ser passada através do toque, por um comentário vindo de Richie), fica ainda mais evidente através da personalidade das crianças, ao invés de uma inocência boba, é revelado que elas pensam exatamente como devem para suas idades: como crianças na puberdade. Apesar de com o tempo se tornar um personagem insuportável, Richie ilustra perfeitamente isso, sendo a todo instante o autor de comentários e piadas com conotação sexual, vemos que no fim das contas é apenas um moleque que eu ficaria impressionado se já tivesse dado o primeiro beijo.
O Pennywise que Skarsgård compõe, não se demonstra em nenhum momento amigável, nem mesmo quando aparece para Georgie. Com uma sombra sempre cobrindo metade de seu rosto nas cenas mais calmas, além de seu olhos amarelos típico de vilões sobrenaturais. Pennywise sempre parece ameaçador, não há momentos cômicos, como no original, o que considero uma falha grave dessa nova versão. Pennywise poderia ser trabalhado como o alívio cômico, ao invés disso, temos Richie, que novamente, apesar de ser uma das criança mais críveis do grupo, é um personagem que depois da quarta ou quinta piada, você passa a desejar que A Coisa o devore.
Cada medo de cada uma das crianças é singular e possui uma particularidade interessante, ligada diretamente as suas vidas pessoais. Assim, o filme cria uma semiótica interessante, que nos ajuda a interpretar cada um deles. Alguns são fáceis de identificar, como o de Bill, onde seu medo reside na possível morte de seu irmão e na frustração de ser o único a acreditar que o garoto vive; Beverly, tem medo das mudanças de seu corpo e de seu pai, por isso o seu banheiro explode em sangue saído da pia, deixando-a encharcada (o que eu diria ser uma homenagem a Carrie - A Estranha, também adaptado de uma obra de Stephen King), além disso, Pennywise a captura no momento em que ela enfrenta seu pai, deixando-o inconsciente dentro deste mesmo banheiro, como um ato de desespero do monstro, já que a garota havia confrontado um de seus medos; fica por conta de Mike um dos medos mais complexos: a simples culpa que sente por achar que deixou seus pais morrerem em um incêndio assombra o garoto. Refletindo até mesmo em sua relação com seu avô, novamente, o adulto acaba se tornando um conflito para o garoto, agora ele é obrigado a abater ovelhas, além de sentir que é um invasor na cidade e na própria vida, para ele, não era para estar vivo.
Mais intenso em sua violência gráfica, It - A Coisa é uma boa releitura da obra de Stephen King (a qual me peguei ansioso para ler enquanto escrevia essa crítica), e consegue honrar a primeira adaptação de 1990. Além de homenagear seu antecessor, faz jus a este como sendo um bom exemplar dessa nova onda de remakes e reboots, e apesar de não ser superior a ele, acaba se tornando um bom entretenimento além de apresentar dilemas os quais nos faz refletir sobre a verdadeira definição de medo. O que resta agora é aguardar, para quando o terrível Palhaço Pennywise voltar a assolar Derry, e o grupo dos otários voltarem para destruir A Coisa, de uma vez por todas.
Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Ama estudar o Cinema em todos os seus aspectos. Sabe que ainda tem muito o que aprender, tanto no que diz respeito a Sétima Arte quanto a escrita, tendo como principal inspiração nessas áreas o grande Roger Ebert. Aspirante a Crítico e Diretor/Roteirista de filmes de baixo orçamento (perceba como ele tem vontade de passar fome). Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor.
Twitter: _leandro_sa
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