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  • Leandro A. de Sousa

Crítica | A Ghost Story (2017)


Direção e Roteiro

David Lowery

Elenco

Casey Affleck, Rooney Mara, Will Oldham, Sonia Acevedo, Kesha, Rob Zabrecky, Liz Franke, Grover Coulson, Kenneisha Thompson, Barlow Jacobs e McColm Sephas Jr.

Data de Lançamento

07 de Julho de 2017

Nota

⭐⭐⭐⭐⭐

 

A Ghost Story não é o filme mais caloroso que vi esse ano, mas ele nem precisava, até porque, sua proposta não permite. Ao lidar com o luto e com a perda de uma forma que oscila entre a frieza e o obscuro, o filme nos apresenta de forma sutil a subjetividade de seu tema. Cada um lida com esses eventos de uma forma distinta. Eu tinha apenas 5 anos quando me encontrei com a perda pela primeira vez, é algo inevitável e nenhum de nós pode escapar disso; na época, eu não entendia o conceito de morte, portanto, em minha inocência, não havia espaço para o luto, pois pensava que quem tinha partido iria voltar eventualmente. De forma tola e infantil, passei a acreditar que a morte era definitiva. Atualmente, não só acredito, como sei que alguém só morre quando é esquecido.

A Ghost Story não tem a pretensão de nos mostrar sequências tristes, onde uma hora ou outra nos pegaremos com uma lágrima escorrendo em nosso rosto. Na verdade, eu diria que esse filme é tudo, menos triste ou melodramático. Apesar de logo no início lidarmos com a morte do personagem C (Affleck) e com o processo de luto da personagem M (Mara), a narrativa vai tomando rumos diferentes, se tornando um dos filmes mais originais de 2017. Não que esse tipo de tema não tenha sido explorado anteriormente no Cinema - temos o exemplo clássico de Ghost: Do Outro Lado da Vida -, mas a forma subversiva com a qual o Diretor e Roteirista David Lowery compreende a morte e o luto nos faz imaginar o que de fato é o fim, tanto para os que vão, quanto para os que ficam.

Experimental, David não se preocupa em nenhum momento com o valor de entretenimento do filme, nos mostrando planos longos dos personagens cometendo ações no mínimo triviais, mas que dizem muito sobre a trama e a sucessão de eventos. Esses planos, conferem ao filme uma humanidade ímpar, pois é justamente isso que qualquer um de nós naquela situação faria. Pegue por exemplo, a cena na qual os personagens de C e M trocam carícias na cama; o que em um roteiro comum duraria no máximo 30 segundos, Lowery estende para 3 minutos. E se compreendemos o peso narrativo de um momento como esses, então, compreenderemos a mensagem que o filme vai passar. Ali, Lowery está nos falando sobre o afeto e o apego de ambos. Logo após essa cena, vemos um enquadramento na casa deles, somente para a câmera virar e vermos o acidente de carro que tirara à vida de C.

O que para o espectador seria um choque, acaba sendo o ponto chave da trama. Se transformando em um fantasma à la estorinhas infantis, com um simples lençol cobrindo seu corpo, o roteiro e o design de produção nos fala da simplicidade e da inocência da morte, que chega sem avisar e que é inevitável a todos, mesmo que a temamos. Apesar disso, temos como contraste os olhos pretos furados na roupa - olhos estes, que seriam nosso guia através de uma estória que tem muito a contar, mais do que a sua superfície e o seu primeiro ato podem dizer. Através deles presenciamos cenas que parecem não ter importância nenhuma, mas que de tão humanas, acabam sendo difíceis de digerir.

Se voltamos para a cena a qual citei no terceiro parágrafo, conseguiremos entender a substância daquela que considero uma das mais agoniantes do longa, pela sua pureza e simplicidade: a cena da torta. Evitar o luto se torna para M seu maior mecanismo de defesa antes de resolver ir embora. Durante 5 minutos vemos ela devorando uma torta no chão da cozinha, enquanto o fantasma de C a observa, tornando a cena ainda mais melancólica. O fato é que a torta pouco importa, ela poderia estar comendo um hambúrguer ou virando uma garrafa de uísque, o grande foco é o sentimento dela, que em uma tentativa desesperada de melhorar a dor, tenta se entupir de comida até vomitar. O que torna a cena agoniante é acompanharmos isso sem nenhum corte, mas quando compreendemos o valor dela, assistir ao resto do filme não será tão difícil.

Uma cena como essas tem a capacidade de sintetizar toda uma estória, capaz de encerrar uma narrativa, porém, é preciso justificar o porquê de A Ghost Story ter se tornado um dos filmes mais originais de 2017. O ponto crucial, tudo o que vemos na tela, nos fala sobre a morte em si, mas não de forma para amedrontar - como eu disse anteriormente, não à toa o design de produção do filme decidiu que Cassey Affleck se vestiria com um simples lençol para interpretar um fantasma. Os signos de sua trama vão ditando um rumo interessante. Se C ainda permanece aqui, atormentando aqueles que decidem morar em sua casa, é aguardando por uma verdade, afinal, ele se foi cedo e provavelmente não sabia o que tinha que saber. Tal verdade ficou escrita em um bilhete escondido por M em uma fresta, em seu conteúdo havia algo que C já não lembrava. Incapaz de sentir qualquer coisa, é como se, com o tempo, ele fosse se esquecendo tudo o que aconteceu em vida, por isso precisa ficar viajando entre as eras daquele local. A passagem de tempo, sem dúvida, é um dos pontos altos do filme; feita de forma orgânica, vemos tudo se esvaindo e evaporando, desde uma família Latina que fora morar no lugar após a saída de M, até a própria casa.

E dentro dela, com o passar do tempo, vão surgindo figuras impressionantes e que esclarecem pontos essenciais da trama. Destaco aqui o monólogo feito por Will Oldham. Há duas coisas que impressionam nessa cena: a fala em si, logicamente, e a direção dela. Repare como Lowery decide filmá-la em um compilado de planos longos, com poucos cortes; note também, o trabalho do ator que, apesar de estar caracterizado como um "caipira" consegue se manter no papel de uma forma fina e elegante - isso se reflete na fala. Ao nos falar sobre legado, usando Beethoven como exemplo, ele faz uma metalinguagem com o próprio C, que era músico em vida; há uma cena, que vemos uma montagem paralela com M. De um lado, a personagem está ouvindo uma música composta pelo próprio C, a qual ela escuta em um head-fone com expressões melancólicas, como se a música estivesse dizendo a ela o que iria acontecer; no outro, ela ouve a mesma música deitada no chão, enquanto o fantasma do homem está em pé a observando, contudo, ela tem uma expressão mais serena, há uma tristeza pousada ali, mas isso não fica demonstrado. A partir desse momento, o filme traz à tona mais um tema importante para a trama: a imortalidade. A imortalidade de C permanece em sua música, da mesma forma como a de Beethoven. Mas a lógica de Oldham vai além, nos mostrando a ironia dessa imortalidade: mesmo sendo eterna, ela teria um fim. A partir do momento em que aqueles que se foram são esquecidos, eles também esquecem o que estão buscando e dessa forma, encontram a morte. Isso fica muito bem ilustrado no fantasma da outra casa (Kesha) que conversa com o de C, e diz não saber o que está aguardando.

Mesmo após a casa desaparecer, e surgirem prédios executivos em seu lugar, C permanece aqui de forma intransigente, é como se ele ainda não tivesse permissão para partir, decidindo buscar o que procura no tempo, um dos elementos mais cruéis e belos da natureza. Há uma filosofia interessante por trás da família a qual C acompanha quando ele volta no tempo, já que eles estão no mesmo local onde ficaria a casa. O pai diz as filhas que construiria uma casa ali. Logo em seguida, com um corte seco, vemos toda a família morta a flechadas. Pouco antes desse corte, ouvimos barulho de índios se aproximando - a Morte se aproximando. Agora, repare na ironia: o pai diz às filhas que iria construir uma casa, entretanto ele é morto antes de conseguir, mas de qualquer forma, uma casa foi erguida ali, sob os restos mortais de toda a sua família, e ainda sim, eles não puderam viver lá.

O tempo e a morte não se preocupam com os nossos planos, como eu disse, ambos chegam quando devem chegar. C era um homem jovem e que tinha toda uma vida pela frente quando morreu em um acidente de carro. Porém, C permaneceria para sempre diante das memória de sua esposa. Quando ele lê o que estava escrito no pequeno bilhete que ela deixara ali, ele simplesmente desaparece e finalmente pôde descansar, pois nesse momento ele tomou conhecimento de uma coisa: sua imortalidade.

Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Ama estudar o Cinema em todos os seus aspectos. Sabe que ainda tem muito o que aprender, tanto no que diz respeito a Sétima Arte quanto a escrita, tendo como principal inspiração nessas áreas o grande Roger Ebert. Aspirante a Crítico e Diretor/Roteirista de filmes de baixo orçamento (perceba como ele tem vontade de passar fome). Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor.

Twitter: _leandro_sa

Instagram: leandro.as

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