- Leandro A. de Sousa
Crítica | Bom Comportamento (2017)

Direção
Ben Safdie & Joshua Safdie
Roteiro
Ronald Bronstein & Joshua Safdie
Elenco
Robert Pattinson, Ben Safdie, Buddy Duress, Taliah Webster, Jennifer Jason Leigh, Barkhad Abdi, Rose Gregorio e Gladys Mathon
Data de Lançamento
19 de Outubro de 2017 (Brasil)
11 de Agosto de 2017 (Exterior)
25 de Maio de 2017 (Festival de Cannes)
Nome Original
Good Time
Nota
⭐⭐⭐⭐

Bom Comportamento é um estudo de personagem incisivo. Ao longo de 1h40 acompanhamos a jornada dos irmãos Nikkas, que sem nenhuma expectativa para o futuro, acabam recorrendo ao mundo do crime como forma de sobreviver a um ambiente que, aparentemente, é cruel, com um adendo ao fato de que Nick (Safdie) tem claros problemas mentais. É interessante notar como logo no início, vemos ele em uma sessão de terapia enquanto há um enquadramento em primeiro plano no seu rosto, ressaltando o total incômodo do rapaz diante das perguntas do médico, que mesmo se mostrando complacente e promissor durante a sessão, é interrompido por Connie (Pattison), que entra como um furacão, se mostrando indignado com o que está acontecendo ao seu irmão. Esse alvoroço na entrada, é ilustrado por um close que dá a entender que o Cameraman tomou um susto no momento da chegada do personagem, lembrando por alguns instantes o estilo de filmagem de Lars Von Trier; isso ainda fica enfatizado pela fotografia granulada empregada no longa, realçando o caráter documental que a direção tenta passar. Em alguns momentos, é como se estivéssemos assistindo a apenas filmagens de pessoas reais, cometendo ações reais. Connie é aquele que vai conduzir a narrativa e iremos explorar suas atitudes, enquanto este parece entrar em uma espiral de loucura.
Não há um porto seguro para os dois rapazes. Vemos eles assaltando um banco e não sabemos para onde eles vão ou com quem podem contar. O tema do filme está totalmente pousado em Robert Pattinson, que confere ao seu personagem traços de insanidade misturado ao desespero. Este último vem à tona quando Nick é preso no momento em que ambos estão sendo perseguidos pela polícia. É notável a forma como os roteiristas Ronald Bronstein e Josh Safdie trabalham com os símbolos de sua narrativa. Nick é preso no momento em que está correndo e se choca com um vidro de uma porta automática, o que faz com que atravesse o objeto já caindo no chão ferido. É como se o vidro representasse a doença mental do rapaz, que sempre estará ali, impedindo que acompanhe seu irmão - já que este passou por essa porta sem maiores problemas, além de nos dizer como o próprio Nick é um mero refém de Connie, que o usa para executar seus planos. E todo o perigo que vemos ao longo do filme, é ilustrado pelo vermelho. Vemos ele várias vezes na tela. Seja na tinta que cobre os dois no carro enquanto fogem, ou na iluminação do longa.
A partir desse ponto de virada, onde Nick é preso, começa uma corrida desesperada de Connie atrás de salvar o irmão da cadeia. O desespero de Connie é tanto que suas atitudes muitas vezes são tão deploráveis que, por mais que tentemos, é quase impossível nos identificarmos com o personagem. Aliás, nenhum personagem ali, exceto Nick, parece ser digno de empatia, seja por estarem totalmente errados ou por simplesmente terem desejos e necessidades (novamente) deploráveis. Isso pode ser visto na personagem de Jennifer Jason Leigh: uma mulher de alta classe que mora em casa com a mãe e tem desejos por Connie. O rapaz, sabendo disso, vai atrás dela a fim de conseguir o dinheiro para a fiança do irmão. Leigh compõe uma figura sem a menor noção da realidade ao passo que é desesperada, tanto pela atenção de Connie quanto pelo controle do dinheiro da mãe. Ver como a personagem de Jennifer lida com a sua família, deixa mais claro a relação de Connie, Nick e a Avó deles, que por várias vezes é mencionada na projeção, mas não vemos praticamente nada dela, é uma figura oculta que só temos conhecimento através da aversão dos rapazes por ela.
E o fato do arco principal do filme se passar todo em uma madrugada, faz com que entendamos melhor ainda o núcleo de mudanças do protagonista. Após ser espancado na cadeia, Nick é levado para um hospital. Ao tentar tirar o irmão do local, Connie liberta um drogado qualquer que havia acabado de se acidentar após sair da cadeia para sua condicional. Indo para a casa de uma família que mal conhecera, Connie estabelece pela primeira vez o que seria uma base, onde poderia, por um momento, pensar melhor no que fazer. Como elucidei anteriormente, é difícil nos identificarmos com ele, e acaba sendo impossível que nos identifiquemos com a estória apresentada. A estética que a direção impõe na casa é quase opressora, com uma fotografia escura, o local é tão estranho para nós quanto para o próprio Connie; conhecemos personagens que, ao mesmo tempo que parecem ser acolhedores, são hostis. Porém, isso não importa, afinal, Connie é uma pessoa odiável, mas acima de tudo, é medroso. Para representar isso, vemos que ele pinta o cabelo de louro, e em um ato de desespero, acaba por se relacionar com Crystal (Webster), uma garota menor de idade residente dessa casa. É interessante notarmos a imaturidade da menina, mesmo revelando todas as atitudes impróprias para a idade que comete - o que reforça tal imaturidade - em um diálogo entre os dois, onde ela está diante de uma luz verde, enquanto Connie está coberto por uma luz vermelha. (novamente, perigo. Ele no caso, é o próprio perigo)
Ray (Duress), o rapaz que Connie acaba soltando, serve como uma ponte e/ou uma facilitação narrativa, já que com o tempo, ele acaba por se tornar insuportável. Não que os outros não sejam, mas ele é no sentido de ser alguém deprimente e chato. Isso piora no diálogo onde ele conta para Connie tudo o que levou a se acidentar ao ponto de ir para o hospital como um presidiário novamente. Vemos tudo isso em flashbacks em uma cena longa que poderia ser facilmente substituída por um simples diálogo entre ambos. A facilitação é devido ao fato de ele dizer que em um assalto enquanto estava drogado, os amigos esconderam em um parque temático uma mala cheia de dinheiro. A mala se torna um MacGuffin, já que ela só serve como motivação para irem até o parque, onde sequer sabemos se a existência do objeto é verídica ou não, pois ao chegar lá, o roteiro revela o verdadeiro objetivo de levar seus personagens a um lugar tão inusitado, onde eles achariam uma garrafa cheia de uma droga alucinógena, que poderia de alguma forma, ajudar a tirar Nick do hospital - e é incrível como Barkhad Abdi está ganhando o mundo, já que estava em Blade Runner 2049, e em Bom Comportamento faz o segurança do parque que é espancado por Connie. Uma pena (hehe).
Mas não é garrafa que tira Nick da prisão, é o próprio desespero de Connie, que junto ao medo, acaba cometendo algumas atitudes estúpidas, o que acarreta em sua prisão. Talvez o destino de Connie seja o mais óbvio o possível, mas isso não é um problema, era algo que o personagem precisava, tanto para si, quanto para o seu irmão, que de nada tinha culpa e era apenas mais uma vítima de Connie, assim como todos aqueles a quem o rapaz encontrou nessa madrugada.
Bom Comportamento trata seus personagens exatamente como eles são: humanos. Sempre explorando seus erros, fraquezas e suas loucuras, nos dando uma boa dose de uma experiência alucinante acompanhada de uma estética que pode ser tão agradável quanto incômoda (no bom sentido da palavra). Somos desafiados a questionar o caráter sempre duvidoso das figuras criadas pela narrativa. Mas acima de tudo, algo que precisa ser reforçado, até mesmo em nome da ética, é que toda a imagem de Edward Cullen que antes pousava em minha mente, simplesmente desapareceu após Bom Comportamento.
Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Ama estudar o Cinema em todos os seus aspectos. Sabe que ainda tem muito o que aprender, tanto no que diz respeito à Sétima Arte quanto à escrita, tendo como principal inspiração nessas áreas o grande Roger Ebert. Aspirante a Crítico e Diretor/Roteirista de filmes de baixo orçamento (perceba como ele tem vontade de passar fome). Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor.
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