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  • Matheus P. Oliveira

Crítica | Terra Selvagem (2017)


Direção

Taylor Sheridan

Roteiro

Taylor Sheridan

Elenco

Jeremy Renner, Elizabeth Olsen, John Bernthal, Kelsey Chow, Julia Jones, Gil Birmingham, Graham Greene, Martin Sensmeier e James Jordan

Data de Lançamento

2 de Novembro de 2017 (Brasil)

4 de Agosto de 2017 (Exterior)

Nome Original

Wind River

Nota

⭐⭐⭐⭐
 

Taylor Sheridan foi responsável por escrever os roteiros de Sicario e A Qualquer Custo, ambos formidáveis e dirigidos pelos também formidáveis Denis Villeneuve e David Mackenzie. A qualidade dos roteiros de Sheridan, que sempre são preenchidos por subtextos que gritam mordazes críticas sociais em nossos ouvidos, lhe coloca na posição como um dos melhores roteiristas da atualidade; daí, com uma certa expectativa e curiosidade, surge a pergunta: "Como esse cara deve se sair dirigindo um filme, que não seja aquela porcaria chamada Vile?" Pois bem, a resposta é Terra Selvagem, que além de ser o seu 3º roteiro, marca sua "estreia" como Diretor (as aspas são porque Sheridan prefere negar Vile como sua estreia). E, sem ressalvas, eu afirmo o que já se tornou certo nos Festivais de Sundance e Cannes: este é um dos filmes mais promissores do ano.

Ambientado no clássico Wyoming, palco de inúmeros westerns, Terra Selvagem é intimidador e opressivo, e sua cinematografia semelhante a de Fargo só reforça estes detalhes. A branquidão sufocante que marca o longa nos revela um protagonista à altura de tal ameaça natural: Cory Lambert (Renner), um caçador de coiotes que parece uma espécie de "Bullitt das neves", é o típico sujeito já intrínseco ao seu meio, acostumado e, assim, "anestesiado" com a aura violenta que o cerca. Cory é alguém que ao vermos, sabemos que não sofrerá nenhum arranhão, pois notamos em sua linguagem corporal um tipo "durão" (como Robert Redford em Butch Cassidy ou como Steve McQueen em Bullitt). Aliás, se traçarmos uma linha comparativa delimitando-se ao universo de Sheridan, Alejandro (Del Toro) de Sicario é o mais próximo dele - com a diferença de que Cory é infinitamente mais clemente; agora, se colocarmos na mesa os detalhes em comum entre ambos, temos uma interessante analogia: de simples ovelhas, tornaram-se os dois meros lobos, não para serem sádicos, mas para sobreviverem à hostilidade da Natureza.

Aliás, esta é a mesma filosofia que fora repetida em Sicario, a de que "habitamos uma terra de lobos". 

E ao dizer no início do texto, "mordazes críticas sociais", eu me referia aos temas ditos contemporâneos do longa, sobretudo aos que pertencem à realidade estadunidense. As críticas sociais de Sicario e A Qualquer Custo remetem a uma escala mais larga, que ultrapassa as paredes, digamos, nacionais; já as de Terra Selvagem, limitam-se a elas. Um exemplo disso é o seu próprio plot, que ao analisá-lo, gira em torno do cadáver de uma filha de nativos (interpretada por Kelsey Chow, esta que por não possuir nome no longa, será chamada neste texto apenas por moça). Notem bem, apenas o fato das palavras "cadáver" e "filha de nativos" coincidirem na mesma linha, já torna a situação polêmica, pois assim descobrimos que o plot é a própria história dos Estados Unidos. 

Terra Selvagem é baseado em fatos reais, e esta informação, para nós, já é crucial. No cerne do filme, Cory encontra o tal cadáver da moça. Tendo em vista este fato, ao notarmos o contexto desta cena, Taylor Sheridan desconstrói, sutilmente, a imagem de caçador do nosso protagonista Cory; antes de achar o cadáver, Cory corria pela branquidão da neve para caçar, mas em vez disso, encontra a "caça" de outro alguém. E como uma bela e bem construída antítese, Cory passa de caçador à salvador, detalhe que o humaniza de forma definitiva.

Mas este, porém, não é o único detalhe que resulta em sua transformação. O afeto por seu filho, antes apresentado, e uma conversa dramática com sua mulher, edificam os primórdios dessa mudança. Primeiro que o vemos como um pai (detalhe que faz um contraponto com a cena inicial, onde ele atira em um lobo), segundo que o vemos tendo uma cumplicidade numa triste conversa que conota tragédia. Cory e sua mulher tiveram uma filha, e o cadáver encontrado no meio da nevasca era de uma moça jovem. Esta moça sofreu os mesmos tipos de violência que sua filha. Assim, a narrativa caminha a partir deste propósito; Cory quer descobrir quem fez isto, e se não conseguiu fazer nada por sua filha, fará, ao menos, pela filha de seu amigo Martin Hanson (Birmingham).

E isto, enfim, me leva a Jane Banner (Olsen), policial da FBI, designada para a missão de encontrar, junto de Cory, os responsáveis pela morte da moça. O local (Wyoming), como vemos, é hostil não apenas para os índios, mas também para as mulheres. Jane Banner é uma mulher - e é policial. Seu empoderamento não é bem-vindo no lugar (é, para alguns, um ato de ousadia). Mas isso, para ela, pouco importa. E com a chegada dessa personagem, surge um dos temas do longa: machismo. Todos possuem um atrito com Jane, exceto Cory.

O clímax de Terra Selvagem, e por excelência, a parte mais frenética, explica o que houve com a tal moça: ela fora estuprada e seu namorado, espancada até a morte. Cory, Jane e alguns policiais descobrem onde moram os criminosos que cometeram tais atos, e resolvem encontrá-los. De forma ágil e sintética, o filme mostra os minutos antecedentes à morte da moça e de seu namorado apenas entre o momento em que Jane se aproxima da porta da casa dos criminosos e o momento em que esta gira a maçaneta. E após isto, alguém do lado de dentro lhe acerta um tiro; daí a parte frenética. Uma sessão de tiros entrega ao filme uma semelhança à urgência da cena de Sicario onde bandidos são alvejados em um caloroso engarrafamento. O peso dramático, após isto, aumenta, e torna não só o longa mais interessante, mas também sua veracidade enquanto relato real, e a personagem Jane.

Detalhe interessante é que neste filme, o tratamento que Jane recebe é diferente. Ela não está no filme para demonstrar que é segura de si e valente em seu trabalho; isto já está presente desde sua primeira aparição - ela tem presença e bravura. Seu arco dramático é, na verdade, mais profundo. O interessante encontra-se no fato de sua surpresa perante a moça. Percebam: Jane veio da cidade grande e viajou até o velho estado de Wyoming e descobre que uma nativa caminhou, descalça, por longos 10 quilômetros para fugir de estupradores. Isto, além de trágico, torna-se um ato corajoso da moça, e Jane reconhece isso. O orgulho pelas mulheres e o pesar da violência decair sobre elas, sobretudos as nativas, é que ficam como reflexão para Jane; este é seu arco dramático.

O único pecado com relação a Jane é, porém, a própria atriz que a interpreta, Elizabeth Olsen.

Outro detalhe interessante é quando Cory, mesmo que de forma simbólica, encontra-se cara a cara com o violentador de sua filha. Pete (Jordan) - o nome do indivíduo - é o único que sobra dos que foram baleados anteriormente na frenética sequência, e Cory o faz de "refém" rapidamente, pois lhe deixa escapar pela nevasca afora. A condição, porém, é que a fuga seja feita com os pés descalços (igual à moça). Já previsível, Pete morre, e o clássico "olho por olho" evidencia-se. Cory, além de clemente, é justo, e isto revela mais uma das antíteses de Terra Selvagem; Cory, podendo cravar uma bala em sua cabeça, o faz sofrer naquele curto e doloroso momento enquanto tentar fugir da neve.

É claro o toque de contemporaneidade do roteiro de Taylor Sheridan. Em Terra Selvagem, junto a dezena de outros longas, podemos notar o contraponto às características do cinema de John Ford. Com um forte peso reflexivo sobre o racismo contra nativos e a misoginia, Terra Selvagem, ainda que não tão grandioso, acaba se tornando um Neo-Western, junto a filmes como Onde os Fracos Não Tem VezO Assassinato de Jesse JamesBravura Indômita ( dos irmãos Coen) e Os Oito Odiados, que com seus temas que gritam atualidade, trazem à tona a reflexão para uma sociedade que continua a avançar o decurso da História com os mesmos pés que caminharam naquele western provinciano do início do século XX. Assim como o próprio mito do western, Terra Selvagem é atemporal, e se passa em um cenário atemporal; ele será lembrado como um dos grandes filmes deste gênero pertencentes a este século. 

Sobre o Autor:

Matheus P. Oliveira, 6 de Agosto de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Estuda Jornalismo e Cinema - este último de forma autodidata. Ainda sonha em conhecer por completo o rico universo que o Cinema possui. Atualmente tem como inspirações os críticos Roger Ebert e Pablo Villaça e, de forma árdua, tenta unificar ao máximo todas as outras artes em sua mais que amada arte: o Cinema. Quanto ao futuro - não muito distante -, ele pretende dirigir e escrever alguns filmes. 

Twitter: mathp_oliveira

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