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  • Matheus P. Oliveira

Crítica | Em Pedaços (2018)


Direção

Fatih Akin

Roteiro

Fatih Akin

Elenco

Diane Kruger, Denis Moschitto, Numan Acar, Samia Muriel Chancrin, Johannes Krisch, Ulrich Tukur, Ulrich Brandhoff, Laurens Walter, Karin Neuhäuser, Uwe Rohde, Aysel Iscan, Henning Peker, Christa Krings, Adam Bousdoukos, Jessica McIntyre, Siir Eloglu, Rafael Santana, Hanna Hilsdorf & Melanie Struve

Data de Lançamento

15 de Março de 2018 (Brasil)

23 de Novembro de 2017 (Exterior)

Nome Original

Aus Dem Nichts

Nota

⭐⭐⭐⭐
 

Poucos filmes do Festival de Cannes do ano passado conseguiram abordar um ou mais assuntos com habilidade e controle dentro de uma plena brevidade como Em Pedaços o fez - fala aquilo que quer e pronto. A Vilã, por exemplo, apesar de seu teor de entretenimento, de tanto que se estende em tramas derivadas, parece dilatar-se; O Estranho Que Nós Amamos, por sua vez, de tão enxugado e elipsado que é, cria a noção de que muitos elementos ali faltam. Só que nenhum dos dois são ruins e tampouco malfeitos, mas ausentes do caráter sucinto que Em Pedaços possui.

E se ele é sucinto e sua brevidade é plena, com certeza é devido à sua divisão em capítulos, que torna tudo mais conciso e sintético. Desse modo, eles passam a representar os próprios atos do filme - Família (1º ato), Justiça (2º ato) e Mar (3º ato) -, cada um possuindo o oposto significado do que denotam seus respectivos títulos: a família, destruída; a justiça, violada (para alguns, não); e o mar... (bom, este é um pouco esquisito, pois não possui, exatamente, um oposto semântico, mas imagético).

Mas que acabe essa enrolação! Para que vocês saibam do que eu estou falando, temos que chegar na história do filme. Vamos, pois, a ela: Natja (Kruger), a protagonista, é mãe de Rocco (Santana) e esposa de Nuri (Acar), um ex-traficante e atual contador que possui um escritório. Num certo dia, enquanto Natja se ausentara do escritório, Nuri e Rocco sofrem um atentado causado por um casal neonazista: uma bomba, posta no local, explode e os mata cruelmente. De luto pela morte de seu marido e filho, Natja procurará a devida justiça por esses dois crimes e contará com a ajuda de seu amigo e advogado, Danilo Fava (Moschitto), para prender Edda Möller (Hilsdorf) e André Möller (Brandhoff), o casal de criminosos. Daí a destruição da família e o prelúdio para o próximo capítulo: Justiça.

O filme, então, se inicia com o afetuoso casamento de Nuri e Natja dentro da prisão (e nessa ocasião, Nuri ainda estava no cárcere). A cerimônia, apesar de simples, de primeira nos traz certa felicidade, pois aquilo é absurdamente genuíno. E por mais que a essa altura ainda não conheçamos por completo nossos recém-apresentados personagens, o diretor do filme, Fatih Akin, inicia toda a jornada da cerimônia - e do filme, obviamente - numa filmagem com proporção de tela 4:3, recurso que tem como intuito trazer-nos familiaridade e uma latente sensação de empatia acerca do casal, pois parece remeter àquelas doces imagens de recordações que toda família possui guardada em casa. Usufruindo desse recurso, o diretor nos dá a oportunidade irreversível de se cativar com os dois "pombinhos" e desejar para aquela união a eternidade.

Mas é aqui, porém, que todo esse "mar de rosas" acaba. A união de ambos, como confirma o segundo parágrafo, não é eterna, e é justamente por esse início doce, meigo e cativante que entenderemos a amarga dor de Natja; temos que sentir, igual a protagonista, o impacto e a dor da tragédia, para que assim a dramaticidade surte efeito.

Diferente da introdução colorida e reluzente que tivemos, teremos na posteridade, plena predominância de cores escuras e uma vida tomada por uma crescente escuridão. Aliás, interessante e não menos importante, no preâmbulo de todos os capítulos, o diretor nos mostra aqueles mesmos tipos de vídeos do início, e faz questão de que lembremos do quão desolada está Natja. Sentir a mesma dor que ela, novamente, é o que o diretor Akin quer que sintamos.

E curiosamente, antes da tragédia acontecer, isto é, antes do atentado contra Nuri e Rocco ocorrer, já sabemos do fato, ao que parece, por mera intuição: Natja fica longe da sua família o dia inteiro, e o fato em si já causa estranheza; no entanto, é estranho porque antes fora estabelecido um detalhe, um recurso fortíssimo e crucial, que é o senso de paranoia. Assim, quando a confirmação do ocorrido surge no para brisa do carro de Naja, através da confusão de cores da sirene policial e do falatório dos cidadãos na rua, nos é lembrado que aquela intuição, aos poucos, já estava se desenvolvendo.

Após o fato, o filme decide cuidar do luto de Natja, esbanjando close-ups para captar a performance de Kruger como uma mulher abalada, que vai dos cacoetes de um visível desequilíbrio emocional ao seu compulsivo vício de cigarro. E além disso, há de se perceber um certo isolamento por parte de Natja e a sua mistura com a escuridão de sua casa, que serve para acentuar o contagioso sentimento de luto; aqui, passamos a contemplar sua tristeza a partir do afastamento, originado a partir uma certa frieza, semelhante inclusive ao que se vê em grande parte da projeção de Sem Amor, de Andrey Zvyagintsev.

Só que este luto não é eterno, assim como o próprio filme não o é. A introdução de alguns personagens como Danilo Fava, advogado e amigo de Natja, e uns policiais, introduzem o segundo ato, isto é, o segundo capítulo, intitulado de "Justiça". As evidências sobre quem possa ser os autores do crime aparecem, e fomenta a ânsia de Justiça da protagonista. "Foram os nazistas", diz Natja com plena convicção.

Em Pedaços, que com seu primeiro ato se assemelha a Efeito Colateral (no que diz respeito à perda da família de Gordy Brewer), no segundo nos remete à 12 Homens e uma Sentença, pois passa-se, quase a todo momento, dentro de um tribunal, e possui figuras implacáveis, de boa dedução e bom silogismo: o advogado Danilo Fava, responsável pela defesa de Natja; e Haberbeck, responsável pela defesa de Edda Möller e André Möller, os autores do crime contra Nuri e Rocco. Danilo e Haberbeck transformam o segundo ato num "duelo" de argumentos e contra-argumentos no mínimo invejável. E é bom lembrar que o antagonismo entre ambos se torna visível até mesmo em suas respectivas aparências: Danilo, o advogado de Natja, é engomado e um tipo bonito; Haberbeck, o advogado do casal Möller, é tão horripilante quanto o Nêmesis de Resident Evil. (Aliás, diga-se de passagem, os close-ups em sua face são, assim dizendo, intimidadores).

Mas, de acordo com o caminho pessimista já previsto do filme, os culpados (não perante à Lei) são absolvidos, e Natja continua "à deriva", junto de sua ânsia por justiça (aliás, e me desculpem de antemão a digressão, mas é possível notar o mesmo dolly zoom utilizado em Corpo que Cai e em Tubarão para demonstrar o desespero de Natja, que por sinal foi bem executado).

Dessa forma, a justiça com a qual nos deparamos no início do capítulo, não é aquela executada pela lei, mas aquela executada pelas próprias mãos, que é motivada pela vingança, sentimento ao qual muitos indivíduos (e nisso eu incluo Natja) sucumbem. Daí a justiça violada antes dita.

Se há vingança, há a sede de realizá-la, e é justamente esta sede que move o terceiro e último ato, cujo nome é "Mar", aquele de confuso significado sobre o qual foi comentado no início do texto. Este "epílogo" é a busca de Natja aos responsáveis pela morte de seu marido e filho; só que este capítulo tem a desvantagem inexistente nos dois anteriores: é previsível, pois já é sabido o que acontecerá, por mais que a personagem Natja nos ponha, algumas vezes, certa dúvida em nossa mente. Em suma, há a palavra correta para definir o que este capítulo é: mórbido; as frequentes hesitações de Natja sobre matar ou não matar os Möller tornam-se, ao longo do tempo, cansativas. A vingança, portanto, toma o mesmo rumo que a morbidez, e é ofuscada por ela.

Evidentemente, e como antes foi dito, o título "Mar" não possui uma ligação com o sentido deste capítulo, mas com a última imagem do filme: o mar, de cabeça para baixo, é filmado, e não traz a oposição semântica dos outros dois capítulos, mas a oposição imagética. Mas, ainda é possível que não seja apenas isso, afinal, se fosse, seria uma completa bobagem. O mar inverso é, talvez, a vida de Natja, após executar sua vingança; mas, por outro lado, não deixa de ser uma brincadeira, pois o Cinema também é isso.

Por sua fluidez estética e narrativa, Em Pedaços é, antes de tudo, breve. Ele é sobre a família; é sobre a justiça e o modo como ela é executada; é sobre a atualidade, no que diz respeito aos mais diversos conflitos europeus de caráter político e ideológico. E em sua conclusão, quando nos deparamos com os créditos finais, torna-se um pouco turva a noção de que todos esses assuntos foram tratados, pois Em Pedaços é completamente sintético. Em outras palavras, ele se assemelha a um monumento debaixo de um lâmpada fraca.

Sobre o Autor:

Matheus P. Oliveira, 6 de Agosto de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Estuda Jornalismo e Cinema - este último de forma autodidata. Ainda sonha em conhecer por completo o rico universo que o Cinema possui. Atualmente tem como inspirações os críticos Roger Ebert e Pablo Villaça e, de forma árdua, tenta unificar ao máximo todas as outras artes em sua mais que amada arte: o Cinema. Quanto ao futuro - não muito distante -, ele pretende dirigir e escrever alguns filmes.

Twitter: mathp_oliveira

Instagram: mathp_oliveira

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