- Gustavo Barreto
Os 50 anos de O Bebê de Rosemary

O ano é 1968, um jovem casal apaixonado de Nova York procura o apartamento ideal para se estabelecerem e eventualmente formarem uma família. Encontrado o apartamento, de certo aspecto e história lúgubres, eles conhecem seus novos vizinhos, um casal de idosos conhecidos como os Castevet, que possuem intenções mais profanas do que eles podem imaginar.
Roman Polanski chegara ao ocidente no início dos anos 60. Natural de Paris, ele vivera grande parte da juventude na Polônia, aonde presenciara o horror da ocupação nazista e mais tarde dos russos, mas também teve sua iniciação na Escola de Cinema de Lódz. Sua primeira obra em solo britânico foi Repulsa ao Sexo, um suspense psicológico sobre uma jovem que possui fobia a qualquer tipo de contato físico e, ao ser deixada sozinha em seu apartamento após a irmã viajar, passa a sofrer de ataques esquizofrênicos.
O reconhecimento comercial e crítico de Repulsa ao Sexo garantiu a Roman, em 1967, sua primeira produção bancada pelos grandes estúdios, nesse caso a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), chamada A Dança dos Vampiros. A comédia envolvendo as mencionadas criaturas foi, além de uma obra geralmente aceita, o primeiro encontro entre Polanski e sua futura esposa, Sharon Tate.
Portanto, ao chegar em 1968, Polanski não era mais um estudante de cinema que saíra da Polônia para se aventurar na Inglaterra. Seus dois últimos trabalhos chamaram a atenção do produtor Robert Evans, da Paramount. O livro O Bebê de Rosemary, de Ira Levin, havia sido considerado um Best-Seller e o estúdio desejava produzir uma adaptação. O famoso diretor de filmes de horror B, William Castle, havia sido cotado para dirigir a produção, mas os trabalhos de Polanski no campo do terror lhe valeram a vaga. À Castle, coube a posição de produtor.
Após três semanas, Polanski finalizou o roteiro de 272 páginas fazendo pequenas alterações em relação a obra original. Enquanto o romance de Ira Levin deixava claro que Rosemary havia realmente sido estuprada pelo Diabo, no filme esse seria um elemento que ficaria subentendido. Polanski queria reaproveitar o que fizera com a protagonista de Catherine Deneuve em Repulsa ao Sexo e deixar a cargo da interpretação do público se a protagonista realmente passara por uma experiência sobrenatural.
Para o papel de Rosemary fora especulada a escalação de Jane Fonda, mas quem ficou com o papel fora Mia Farrow, de 22 anos. Para interpretar o marido de Rosemary, Guy, foram considerados Jack Nicholson, Warren Beatty e Robert Redford, no entanto todos foram rejeitados. A escolha acabou sendo John Cassavetes, que um ano antes fora indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por sua atuação em Os Doze Condenados.
A elaboração da trilha sonora, que com os anos se tornaria uma das mais icônicas do gênero, ficou a cargo de um antigo colaborador de Polanski desde a época da Escola de Cinema de Lódz, Krzysztof Komeda. Junto ao cineasta, Komeda compôs a trilha de A Dança dos Vampiros e A Faca na Água, e com o O Bebê de Rosemary, ele encerraria não só sua colaboração com Polanski como também seu trabalho em longa–metragens. O compositor viria a falecer em 23 de abril de 1969, vítima de um hematoma no cérebro.
Os trabalhos de filmagem de O Bebê de Rosemary também não seriam tranquilos para os atores. A obsessão de Polanski em sempre repetir as mesmas tomadas inúmeras vezes não só levou alguns membros da equipe a se irritar, como também os executivos da Paramount, que viam os custos da produção aumentar a cada cena refeita. Originalmente tendo um orçamento de 1,9 milhões de dólares, os custos de refilmagem elevaram a quantia para 2,3 milhões.
O modo como Polanski tratava seu elenco também lhe rendeu comparações com o modus operandi de Alfred Hitchcock, cuja a famosa frase: “Os atores devem ser tratados como gado” (segundo o próprio diretor, mal interpretada) fora adotada por parte da imprensa para exemplificar como era o ambiente nos sets de filmagens. Em determinada filmagem externa, por exemplo, Polanski pediu para que Mia Farrow atravessasse uma rua movimentada, usando um enchimento de barriga para simular uma gravidez. Quando confrontado pela atriz sobre o quão absurda era a ideia, ele respondeu: “Por favor, faça o que eu pedi. Ninguém atropelaria uma mulher grávida”.
O filme estreou em 12 de junho de 1968 e teve uma recepção calorosa da crítica, o que encorajou o público a formar longas filas envolta dos cinemas à espera das sessões. Ao final de seu período de exibição, seria estimado um lucro aos cofres da Paramount de 87 milhões de dólares e com uma margem de crescimento em constante expansão com as consequentes transmissões para TV, venda de home vídeo etc.
Muitos estudiosos do cinema consideram O Bebê de Rosemary como um dos pontos de conversão entre a então Hollywood do pós Segunda Guerra, essa movida pelo otimismo da população frente ao crescimento econômico-político dos EUA, e o movimento conhecido como “ Nova Hollywood”, que permearia os anos 70 quando o clima de euforia acabou e o país se viu frente a fracassada guerra no Vietnã, às futuras denúncias contra Nixon, à crise do petróleo e do desemprego em massa.
Assim como fora com Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas em 1967, O Bebê de Rosemary foi uma produção que fugia ao tradicional puritanismo de produções anteriores. Além de tratar de temas como o satanismo, ele lidava com naturalidade a relação de um jovem casal de Nova York que representava a geração do fim dos anos 60. Adepta ao amor e querendo apenas se divertir sem ter o peso da vida adulta.
Comparações posteriores também seriam feitas entre esse filme e o caso “Tate-LaBianca”, quando em 1969, integrantes da seita liderada por Charles Manson, invadiram a casa de Polanski e Tate na Califórnia e assassinaram a esposa do diretor, que na época estava grávida de seu primeiro filho, e amigos do casal que estavam dormindo na casa. Roman estava na Europa nessa noite. Enquanto a polícia procurava suspeitos, teorizou-se que o massacre estaria ligado ao sucesso dirigido por Polanski um ano antes, o que provou-se um erro. O assassinato de Sharon Tate foi outro ponto fundamental da virada o qual o cinema passou.
Passados cinquenta anos após sua estreia, O Bebê de Rosemary ainda é um filme de terror extremamente competente que é conduzido por um diretor que viveu uma vida muito mais tribulada do que o normal. Além de sua potência como obra comercial, ele funciona como um estudo para se entender no que o cinema se transformaria nos anos que se seguiriam, assim como a própria sociedade. Inconscientemente essa obra se tornou um mensageiro agourento de tempos conturbados e, por fim, o filho do Diabo realmente passou uma mensagem visual que só poderia ser entendida mais tarde.
O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby - EUA, 1968). Direção: Roman Polanski. Roteiro: Roman Polanski. Elenco: Mia Farrow, John Cassavetes, Ruth Gordon, Sidney Blackmer, Maurice Evans, Ralph Bellamy, Charles Grodin, Patsy Kelly, Victoria Vetri, Elisha Cook Jr., Emmaline Henry, Hanna Landy, Phil Leeds, Hope Summers, D'Urville Martin, Marianne Gordon, Wende Wagner, Robert Osterloh, Walter Baldwin, Tony Curtis, Clay Tanner, William Castle, Bill Baldwin, Jack Knight, George Savalas. Duração: 136 minutos.