- Leandro A. de Sousa
Crítica | Cargo (2018)

Direção
Ben Howling e Yolanda Ramke
Roteiro
Yolanda Ramke
Elenco
Martin Freeman, Simone Landers, Anthony Hayes, Susie Porter, Caren Pistorius, Bruce R. Carter, David Gulpilil, Kris McQuade, Andy Rodoreda e Natasha Wanganeen
Data de Lançamento
18 de Maio de 2018 (Mundial)
Nota
⭐⭐

Filmes de zumbis, no geral, têm algo em comum, que é nos mostrar algo que a civilidade não permite que vejamos; geralmente os zumbis são meros coadjuvantes. O perigo de verdade é o homem que luta pela sobrevivência, sendo capaz de qualquer coisa para se proteger ou proteger alguém que ama. Nisso, até mesmo uma mediocridade como The Walking Dead consegue se mostrar eficiente, com um Rick mais sanguinário a cada temporada - não tenho propriedade para falar dessas últimas, já que abandonei a série na metade da sétima (ou terá sido sexta?) temporada. Ainda assim, podemos pegar bons exemplos desse gênero, saindo até mesmo do campo dos clássicos de Romero, como o recente e excelente Invasão Zumbi, que se utiliza de um cenário claustrofóbico e populoso para nos trazer uma experiência agoniante ao passo em que é reflexiva. E, no fim, ainda consegue nos emocionar.
O curta-metragem Cargo (2013) possuía um viés interessante, pois em poucos minutos ele nos dava algo que só pode ser descrito como emergencial e desesperador: um pai que fora mordido e agora tem pouco tempo para levar sua filha, um bebê, a um lugar seguro antes de se transformar em um monstro e devorar a própria criança. No curta, está a prova de que uma experiência intensa e emocionante pode ser criada com pouco tempo e sem nenhuma fala, apenas aproveitando a situação que cerca nossos personagens e despertando empatia em quem assiste somente através de suas atitudes. É sublime ver o pai tentando acalmar seu bebê, sendo uma forma de despedida, pois o mesmo sabe que daqui a poucas horas iria esquecer de quem era e iria sentir uma fome insaciável.
É uma pena que em 2018 a Netflix venha a lançar um longa e não consiga em 1h45min fazer o que um curta fez em 7 minutos. Tratando em sua maioria com personagens unidimensionais que tomam decisões estúpidas somente para que a trama possa seguir o seu fluxo desastroso. Isso é visto logo no começo, quando Kay (Porter), esposa de Andy (Freeman) e mãe da bebê Rosie, decide ir até um barco à deriva, que o marido já havia entrado e já havia pego todos os suprimentos, somente para obter - sério - uma lâmina de barbear para que Andy aparasse a barba. E note como a sugestão de que há um zumbi é tão ruim quanto alguém em um diálogo falar "há um zumbi naquele barco", já que a câmera, a todo instante, foca em uma porta dentro do espaço. Bom, pelo menos a situação não é tão ruim, já que os próprios personagens não sentem que há algo de errado e os mesmos não ficam a todo instante fitando a por... ah, não, espera, eles fazem exatamente isso.
Não posso dizer que decisão de Andy de levar sua esposa mordida para longe dali foi estúpida - apesar de ter sido -, afinal, é um ente querido e é provável que qualquer um fizesse aquilo em seu lugar. A verdade é que o início do longa não é o maior problema; eu diria, também, que sequer é a sua história como um todo. Não, o maior problema de Cargo é como ele tenta e falha miseravelmente em despertar qualquer tipo de empatia. A confusão da narrativa contribui com isso, apoiada a um roteiro fraco que se utiliza de coincidências para que a história ande. Nem mesmo a situação em si parece despertar qualquer desespero no personagem, que a todo instante fica olhando para um relógio que marca o tempo para a sua transformação, mas ainda assim arruma tempo para ir brincar de tiro ao alvo em alguns zumbis.
Repare também como é construída a sucessão de eventos, que engloba personagens mal apresentados e mal utilizados, como Etta (McQuade) ou o até mesmo o Homem Sábio (Rodoreda). Cargo encontra sua pequena virtude apenas na atuação da pequena Simone Landers, que interpreta Thoomi, uma garotinha pertencente a uma tribo Australiana que preserva o corpo de seu pai transformado em um zumbi. É fato que a coragem e inocência de Thoomi permitem que haja algo para se apreciar no filme, mas que logo é esquecido quando damos de cara com um vilão ridículo e sem propósito nenhum que tem como único objetivo inchar ainda mais o longa. Pois bem, a própria situação já deveria bastar, o peso que Andy carrega já era fardo suficiente, a necessidade de colocar um vilão tolo e abusivo somente para um conflito ridículo no final do último ato é totalmente nula (aliás, preciso dizer que as últimas cenas me lembraram muito Era do Gelo).
Cargo falha também no que poderia ser as maiores virtudes de seu gênero. Além de não conseguir entreter ou sequer prender a atenção, parece tentar, de certa forma, ser um drama mal pensado, esforçando-se para causar alguma emoção com diálogos tolos e, sim, câmeras lentas em cenas de tensão. O fato é que nem em sua técnica parece ser um filme que se destaca, já que sua montagem permitiu que eu ficasse a todo momento me perguntando quem era aquele personagem e como ele apareceu simplesmente do nada. Além de um jogo de câmeras simples e uma fotografia que serve somente para exaltar a beleza dos biomas australianos - mas isso somente quando os personagens estão fora de tela –, de nada servindo para a semiótica que sim, deveria ser um ponto vital de um filme de zumbis.
É uma pena que diretores como Ben Howling e Yolanda Ramke, que se mostraram tão eficientes em conceber um pequeno curta que dizia muito, mesmo em pouco tempo, tenham realizado um filme tão disfuncional e pouco autêntico como Cargo, que entra para a longa lista de filmes da Netflix que servem somente para fazer número.
Se quer um bom filme de zumbis para assistir e ainda assim se emocionar, assista Zumbilândia, a cena de Woody Harrelson falando do filho dele é muito mais cortante do que os 105 minutos de Cargo.
Sobre o Autor:

Leandro A. de Sousa, 18 de Maio de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Ama estudar o Cinema em todos os seus aspectos. Sabe que ainda tem muito o que aprender, tanto no que diz respeito à Sétima Arte quanto à escrita, tendo como principal inspiração nessas áreas o grande Roger Ebert. Aspirante a Crítico e Diretor/Roteirista de filmes de baixo orçamento (perceba como ele tem vontade de passar fome). Ama o que faz, mesmo que ninguém partilhe desse amor.
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