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  • Matheus P. Oliveira

Crítica | Amor à Flor da Pele (2000)


Direção

Wong Kar-wai

Roteiro

Wong Kar-wai

Elenco

Tony Leung Chiu-Wai, Maggie Cheung, Rebecca Pan, Kelly Lai Chen, Siu Ping-Lam, Mama Hung, Joe Cheung, Koo Kam-Wah, Chan Man-Lei, Paulyn Sun e Roy Cheung

Data de Lançamento

23 de fevereiro de 2001 (Brasil)

Nome Original:

Fa Yeung Nin Wa

Nota

⭐⭐⭐⭐⭐

 

É difícil apreciar a introversão de Amor à Flor da Pele se não compreendermos realmente o que se passa dentro dos corações dos protagonistas Chow e Su Li-zhen, pois o que brota neles, essencialmente, além de um verdadeiro e intenso "amor à flor da pele", é uma sensação transgressiva de estar pisando num terreno pecaminoso: a vida extraconjugal. Já vimos e vivenciamos, em centenas de histórias, tais vidas dramáticas e tal situação, que são, de certa maneira, convencionais sem, no entanto, serem enjoativas; e por isso, não é difícil de compreendê-las, nem de apreciá-las. No entanto, não acompanhamos um casal de amantes que temem que seu caso seja descoberto por seus cônjuges; aqui, trata-se do inverso: Chow e Su Li-zhen são, na verdade, os cônjuges enganados, e possuem ciência da vida de adultério de seus parceiros. Desse modo, as frequentes hesitações de ambos em demonstrarem afetos um pelo outro, os silêncios que traduzem mútuos e ardentes sentimentos e as trocas meio evasivas de olhares, ainda que sutis, são comportamentos que evidenciam a atmosfera de um filme não tão convencional assim, e revelam, inclusive, um drama ainda maior dos protagonistas: o de não se igualarem a seus cônjuges. Em suma, os dramas de Li-zhen e Chow são bastante palpáveis, porque seus íntimos, complicados e conflituosos por natureza, são, na verdade, fáceis de serem analisados, porque há carga humana neles; daí a facilidade em compreender e apreciar o que se passa no âmago desses amantes, e justamente nessa compreensão é que se encontra a alma de Amor à Flor da Pele.

Wong Kar-wai é um diretor muito talentoso, de virtuoso estilo e sensibilidade; talvez um dos mais talentosos entre os cineastas chineses atuais e de todo a história do cinema chinês. Como é sabido, Kar-wai possui uma notável habilidade em tratar da condição humana, pois os assuntos que mais gosta de tratar são justamente aqueles em que se torna mais fácil de tratar tal condição: as relações amorosas. Quase todas as suas obras (incluindo a que está sendo analisada), em ordem de lançamento, são desse tipo: Dias Selvagens, Amores Expressos, Anjos Caídos, Felizes Juntos e 2046 - Os Segredos do amor, sendo o primeiro e o último destes, parte de uma trilogia da qual Amor à Flor da Pele faz parte; e todo este fervor e talento, não são por acaso. Considerado quase um "revolucionário" do cinema (sim, com aspas) em questões narrativas e estéticas (quase no nível de Godard), Wong Kar-wai trilhou um caminho pelo qual o cinema chinês andaria por muitíssimos anos: saturado dos filmes de ação dos irmãos Shaw, cujos sucessos comerciais foram consequência da limitação estética imposta pela Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung na década de 60; igualmente cansado da enxurrada de filmes "fabricados" do produtor Raymond Chow; e inspirado enfim pela Nouvelle Vague francesa e pelo "cinéma du look" francês, acabou inserindo, claramente por reação, um certo teor existencialista em suas obras, característica primal de sua filmografia, legando-a então à cineastas posteriores (como Sofia Coppola). Por isso seu talento, sua motivação, voz e força de expressão; esforço expressivo que seria, aliás, inexistente sem a força "não menos forte" do ilustre diretor de fotografia australiano Richard Doyle, tendo em vista certas dificuldades intrínsecas ao cinema asiático.

Tanto Kar-wai (ele principalmente) quanto Doyle reconhecem a limitação facial e verbal de expressão dos atores asiáticos, que por sinal é um grande problema, e justamente por isso, lutam para driblá-la: a limitação facial existe porque os asiáticos possuem expressões faciais quase iguais e poucas variedades em todos os tipos de rosto, e, com isso, torna-se complicada a transmissão de qualquer emoção ao espectador; e limitação verbal também, porque a flexão das línguas asiáticas são pouco variadas, e o tom delas possuem certa monotonia que não agrada muito aos ouvidos. Por isso, diversos filmes tailandeses, vietnamitas, coreanos, japoneses e chineses tendem a ser frios e distantes emocionalmente ou melodramáticos demais a ponto de soarem ridículos e até irreais; nestes casos é que consiste o indispensável trabalho de Richard Doyle, na sua fotografia que parece evocar mais o sentimento encontrado nos ambientes do que nos próprios personagens.

Com a presença de Doyle para concretizar as ideias de Wong Kar-wai, Amor à Flor da Pele torna-se um caso à parte. Tudo da estética de Kar-wai e Doyle é rigorosamente planejada, orquestrada e, enfim, executada para justamente adornar as tais características defeituosas arraigadas à essência cinematográfica asiática; e essa tentativa de driblagem, inclusive, vemos e percebemos com plena clareza e por todo o corpo do longa, pois desde o balançar de uma lâmpada que acompanha quase que poeticamente o caminhar gracioso de Chow e Su Li-zhen por corredores e escadas rotineiras, conduzido por uma câmera proposital e lentamente operística, sublinhada por uma charmosa trilha sonora, vemos a mão exótica desse diretor chinês.

Os personagens de Kar-wai dificilmente demonstram em palavras o que sentem, e o lugar que eles frequentam, unido ao silêncio que preservam, consegue comunicar o que não precisa ser dito em palavras (os locais, ora iluminados com cores vibrantes, ora banhados pela Lua e por cores escuras, revelam o estado transitório de suas almas e de seus corações). Na trama de Amor à Flor da Pele, Chow e Su Li-zhen se hospedam no mesmo local. O local em questão é bastante apertado, com quartos próximos uns dos outros, repletos de pessoas bisbilhoteiras que caminham, dia e noite, por um claustrofóbico corredor. Esse tipo de ambiente minúsculo, como se nota, reforça a ideia de proximidade entre os amantes, mas a quantidade de pessoas que atrapalham a intimidade de ambos reforça outra ideia contrastante: a de que eles não podem, nem nunca poderão ter alguma relação. Nisso consiste a ironia do filme, que é comovente e cativante ao mesmo tempo. E a profunda influência de Kar-wai pela cultura ocidental (e isso vemos nas músicas que ele insere em seus filmes: California Dreamin' em Amores Expressos) o ajuda a construir este efeito, e a demonstrar a universalidade que têm suas obras, impregnando-as com elementos do Ocidente. Tentando buscar os sentimentos mais conflitantes dos seres humanos, no âmago de seus corações, Kar-wai tenta utilizar os elementos ocidentais, em decorrência das limitações essencialmente orientais. Usando este método, ele tenta - através do que se existe no cinema ocidental - demonstrar que todas os sentimentos humanos e suas crises existenciais, não são uma característica particular do Ocidente, mas também do Oriente. Kar-wai, de modo geral, mostra essa condição como uma característica global, que ultrapassa países e atravessa oceanos. O silêncio, o inefável, as hesitações são muito mais do que casos regionais; são, na verdade, típicos e eternos casos humanos. E o amor à flor da pele, por consequência, é universal.​

Sobre o autor:

Matheus P. Oliveira, 6 de Agosto de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Estuda Jornalismo e Cinema - este último de forma autodidata. Ainda sonha em conhecer por completo o rico universo que o Cinema possui. Atualmente tem como inspirações os críticos Roger Ebert, Pauline Kael e Luiz Carlos Merten e, de forma árdua, tenta unificar ao máximo todas as outras artes em sua mais que amada arte: o Cinema. Quanto ao futuro - não muito distante -, ele pretende dirigir e escrever alguns filmes.

Twitter: mathp_oliveira

Instagram: mathp_oliveira

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