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  • Matheus P. Oliveira

Especial | Filmes de Tribunal


Torcer é o que mais fazemos em filmes de Tribunal, porque somos, na maioria das vezes, induzidos empaticamente a torcer por personagens que são alvos de injustiças cometidas por indivíduos com o poder suficiente para controlar tudo e todos. Junto desses injustiçados, existe sempre um advogado, muitas das vezes idealista, determinado a provar que não é apenas um profissional competente, mas também um ser humano, digno de fazer valer a lei e de praticar a justiça, defendendo os fracos e os oprimidos.

Segue abaixo alguns filmes que tratam desse tema:

QUESTÃO DE HONRA (1992)

Questão de Honra é um filme que nos prepara, desde o início, para um momento inevitável pelo qual esperamos com ansiedade: a memorável cena do tribunal entre o advogado Daniel Kaffee e o Coronel Nathan Jessep, respectivamente interpretados por Tom Cruise e Jack Nicholson. “Você não aguenta a verdade!” diz Jessep na cena em questão, sintetizando, numa só frase, do que o filme trata.

Dirigido por Rob Reiner (Harry e Sally, Conta Comigo e Louca Obsessão) e escrito por Aaron Sorkin (Rede Social, Moneyball e Steve Jobs), Questão de Honra gira em torno de um estranho incidente ocorrido numa base militar: um jovem soldado, vítima de uma punição extraoficial conhecida estritamente como “Alerta Vermelho”, foi executado no meio da noite. Desconfiado, o advogado Kaffee começa a investigar o caso, e suspeita que a ordem tenha vindo do alto comando, possivelmente do Coronel Jessep.

Este é o tipo de filme no estilo "Peixe-Pequeno-Tenta-Pegar-O-Peixe-Grande", no qual um garoto, que é Kaffe, o “peixe pequeno”, jovem e inexperiente, encontra-se frente a uma jornada desafiadora, na qual precisa conhecer a si próprio para enfrentar seu maior desafio, o "peixe grande", o temível Coronel Jessep. No fim, ao conhecermos realmente os personagens, é possível captar a mensagem de Questão de Honra: a busca e a descoberta da verdade podem ser suportadas, pois é justamente a verdade a única virtude que prevalece numa sociedade justa e no coração de homens bons, que são poucos.

O VEREDITO (1982)

Um advogado beberrão, ao chegar da rua após tomar um porre, destrói todo o seu escritório, convencido de seu fracasso – assim começa O Veredito, um dos mais surpreendentes filmes de tribunal, que entrega a melhor performance de Paul Newman em anos. Dirigido por Sidney Lumet (Um Dia de Cão, Serpico, Rede de Intrigas), e escrito por David Mamet (Sucesso a Qualquer Preço, Os Intocáveis, Jogo Fatal), este filme nos apresenta Frank Galvin, advogado desesperado e alcoólatra, que gasta as horas do dia frequentando funerais para divulgar seu trabalho e bebendo o quanto pode para afogar mágoas e derrotas. Em uma noite, desiludido, sozinho em seu escritório com uma ferida na testa, Frank é encontrado por seu amigo Mickey, que lhe passa um caso de erro médico reaberto, onde no qual uma grande instituição médica, controlada por indivíduos poderosos, é tida como culpada. Com a chance de se redimir ante o fracasso, Frank Galvin aceita o caso, e o aceita com determinação, ao reconhecer que esta talvez seja a sua única chance de provar que é um advogado competente. Mesmo sendo pressionado a fazer um acordo para que nada seja levado ao tribunal, ele recusa educadamente, decidindo lidar a sua maneira com as tais figuras poderosas, incluindo o ardiloso advogado Ed Concannon (interpretado de forma magistral por James Mason), que defende a poderosa instituição médica, com quem terá que digladiar.

12 HOMENS E UMA SENTENÇA (1957)

Pode um filme, se passando apenas numa sala de júri, ser bom? Eu digo que pode. Aliás, não só pode ser bom, como também pode ser espetacular. Não precisando de filmagens elaboradas, nem de artifícios dramáticos (que possivelmente lhe estragaria), e tampouco de uma trilha sonora suntuosa para evocar sentimentos do espectador, 12 Homens e uma Sentença, talvez a obra-prima de Sidney Lumet, não precisa desses adornos, porque ele é basicamente o que seu título (o traduzido) explica: 12 homens, que compõem o júri, se reúnem numa sala para discutir a situação de um réu que será julgado em alguns instantes, e cabe a estes homens determinarem sua inocência ou sua culpa.

O filme é curtíssimo, com menos de duas horas, e sua qualidade ainda o faz parecer bem mais curto do que o normal. A sessão dos jurados começa, o caso do réu é apresentado e analisado por uma dúzia de homens com distintos temperamentos, credos e juízos de valor. Cada palavra proferida na sala tem o efeito de uma agulhada, pois elas é que definirão o destino de um ser humano, do réu, fora daquela sala. O roteiro, escrito por Reginald Rose, é afiado, e segue revelando ao espectador, com pleno cuidado, a partir das opiniões de cada sujeito, a personalidade de cada um. A direção de Lumet, que dispensa comentários introdutórios, segue intuitiva, mostrando apenas o que se deve ao observador mais astuto; em outras palavras, sua direção é meramente concisa. 12 Homens e uma Sentença é mais do que um clássico de tribunal, é um clássico da história do Cinema.

FILADÉLFIA (1993)

Todos os que assistiram a O Silêncio dos Inocentes já tiveram a impressão de que os personagens vivem frequentemente nos olhando de forma penetrante. Bom, isso é proposital, e não é mera impressão. Jonathan Demme adora usar esse ângulo, chamado (obviamente) de “frontal”. O ângulo frontal pode ser usado de várias maneiras dependendo da intenção do cineasta. Mas no cinema de Demme, este ângulo tem objetivo único e claro: dar ao espectador a oportunidade de ficar na pele dos personagens - mais especificamente na dos protagonistas. Os indivíduos que protagonizam seus filmes são geralmente alvos de injustiças, em casos que vão do machismo - Clarice Starling, em O Silêncio... - à homofobia – como é o caso de Andrew Beckett, em Filadélfia.

Situado na cidade-título, Filadélfia é protagonizado por Tom Hanks e Denzel Washington, que interpretam, respectivamente, Andrew Beckett e Joe Miller, ambos advogados competentes. Andrew trabalhava em um conceituado escritório de advocacia, até que é demitido injustamente por ter contraído AIDS; Miller é quem Andrew procura e contrata, para que o ajude a processar os que lhe demitiram sem justa causa. O problema é o seguinte: Joe Miller é homofóbico, e a época na qual o filme se passa, o HIV estava se expandido; havia muito preconceito acerca da doença. Neste contexto, os aspectos da direção de Demme tornam-se interessantíssimos, porque suas típicas filmagens em ângulo frontal enriquecem a tensão narrativa do longa. As expressões faciais de Denzel Washington como Miller, demonstrando uma discreta repulsa por seu cliente, que se equipara apenas com seu decoro profissional, entram em confronto com as de Tom Hanks como Beckett, que mesmo em sua fragilidade como um portador de HIV, não deixa adormecer sua bravura e astúcia como advogado.

Filadélfia é em tantos sentidos um filme importante – aliás, mais do que isso, ele é necessário. Partindo de uma história em particular, a de Andrew Beckett (baseada na história real de Clarence B. Caim), o filme se expande em algo universal ao explorar o preconceito. Uma das primeiras obras hollywoodianas a tratar de forma séria a AIDS, a homofobia e a homossexualidade nos Estados Unidos. Simplesmente uma obra-prima.

 

MENÇÕES HONROSAS:

Por causa de alguns critérios específicos, deixei alguns filmes de fora da lista que denomino "Lista Oficial" (a de cima), e um desses critérios refere-se à quantidade de filmes que pus na lista (muitos filmes numa lista que pretende apresentá-los de uma forma mais completa e entusiasmada demandariam, no entanto, descrições ainda mais básicas do que o usual). A lista de cima não é um mero catálogo, é uma introdução às obras que considero importantes para o cinema e que, de certa maneira, me tocaram de formas distintas. E o fato de possuir, nestas menções honrosas, mais filmes do que na Lista Oficial e menos informações deles, é que pretendo atiçar a curiosidade dos que, já estando interessados nos quatro títulos acima, fiquem igualmente interessados nos títulos que conhecerão a seguir, justamente porque saberão bem pouco a respeito deles.

De forma alguma estas menções são inferiores a Questão de Honra, O Veredito, 12 Homens e uma Sentença e Filadélfia. Aliás, há filmes das menções honrosas que são superiores aos da lista oficial, e a única razão de eu ter cometido esta “injustiça” é que na lista oficial encontram-se filmes especiais e essenciais em um ou dois aspectos bem específicos. Por exemplo: considero O Povo Contra Larry Flint superior a Questão de Honra, mas pus este ao invés daquele na lista oficial porque foi escrito por Aaron Sorkin, e Sorkin tem uma forma diferente de escrever seus roteiros (os diálogos, as resoluções das situações e o seu humor discreto são surpreendentes), forma que precisa ser divulgada (só fica atrás de David Mamet e Quentin Tarantino em questão de talento na escrita).

Continuando essas Menções Honrosas (pois já se iniciou com Larry Flint), há o brilhante Justiça para Todos, protagonizado por Al Pacino e dirigido por Norman Jewison, que apresenta, em seu enredo, um advogado idealista sendo obrigado a defender um juiz corrupto acusado de estupro. É uma obra-prima unânime. Têm também os clássicos Anatomia de um Crime, Testemunha de Acusação e O Julgamento de Nuremberg, dirigidos respectivamente pelos titãs Otto Preminger, Billy Wilder e Stanley Kramer, que dispensam comentários. Há, inclusive, O Vento Será Tua Herança, também dirigido por Kramer, que se tornou clássico por seu tema uma tanto polêmico: tratou do caso jurídico do professor John T. Scopes, processado por ensinar a Teoria da Evolução numa escola pública no Tennesee, em 1925; o "Julgamento do Macaco", como ficou conhecido esse caso, foi o primeiro a ser transmitido por rádio. E, por fim, Acusados, dirigido por Jonathan Kaplan, que merece ser mencionado não só porque deu a Jodie Foster seu primeiro Oscar, mas também porque também trata de um tema polêmico que envolve um acontecimento: Estupro. Sua história gira em torno de Sarah Tobias (Foster), que é estuprada por vários fregueses de um bar, enquanto os demais em volta testemunham o ato e nada fazem. A advogada de Sarah, Kathryn Murphy, resolve processar todos, inclusive os que incentivaram.

Aqui as menções terminaram, e foram suficientes para o que o título "menções honrosas" se propunha a fazer. Agora sim estas menções têm, de fato, feições de um catálogo; são breves, de cunho mais superficial. Nada inferiores aos que figuram no início da postagem, são estas menções tão importantes quanto os filmes da Lista Oficial; e (repito) as breves informações a respeito dos sete filmes mencionados servem apenas para atiçar a vontade dos espectadores de desvendá-los e de apreciá-los como uma séria forma de arte.

 

Nome original de todos os filmes em ordem de aparição: A Few Good Men; The Verdict; 12 Angry Men; Philadelphia; The People vs. Larry Flynt; ... And Justice for All; Anatomy of a Murder; Witness for the Prosecution; Judgment at Nuremberg; Inherit the Wind; The Accused.


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