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  • Matheus P. Oliveira

Crítica | Suspíria: A Dança do Medo (2019)


Direção

Luca Guadagnino

Roteiro

David Kajganich

Elenco

Dakota Johnson, Tilda Swinton, Mia Goth, Angela Winkler, Ingrid Caven, Elena Fokina, Sylvie Testud, Renée Soutendijk, Christine Leboutte, Małgorzata Bela, Fabrizia Sacchi, Jessica Harper, Chloë Grace Moretz, Jessica Batut, Alek Wek, Vincenza Modica, Vanda Capriolo, Brigitte Cuvelier, Gala Moody, Anne-Lise Brevers, Sara Sguotti, Halla Thordardottir, Olivia Ancona, Marjolaine Uscotti, Sharon Campbell, Elfriede Hock, Iaia Ferri, Clémentine Houdart, Charo Calvo, Stephanie McMann, Majon van der Schot, Maria Bregianni, Josepha Madoki, Navala Chaudhari, Karina El Amrani, Doris Hick, Mikael Olsson, Fred Kelemen, Greta Bohacek, Joel-Dennis Bienstock

Data de Lançamento

11 de Abril de 2019 (Brasil)

(Internacional)

Nome Original:

Suspiria

Nota

⭐⭐⭐
 

Crítica | Suspiria: A Dança do Medo (2019)

Faz cinco anos que não assisto ao clássico de Dario Argento e, por razão desse aparente descaso, enquanto escrevo esta crítica, uma sensação de arrependimento paira sobre mim por não tê-lo revisto a tempo do lançamento de seu remake, para que assim eu pudesse traçar, como seria apropriado, alguns paralelos entre a obra clássica e a atual. Mas de qualquer jeito, estou impossibilitado de cumprir tal esforço, justamente por decorrência do meu descaso. Consequentemente, tendo em vistas as minhas atuais limitações de natureza comparativa, esta crítica se reservará ao único e claro objetivo de analisar Suspiria (não o clássico, mas o remake) por si só, isto é, a partir do que ele representa, não do que possui de semelhança com a obra que lhe inspirou a criação; os únicos paralelos entre ambos – brevíssimos, aliás - tratarão sobre a diferença de sua história.

Inspirado no roteiro de Dario Argento e Daria Nicolodi, este Suspiria (o atual) foi dirigido por aquele que concebeu o quase edênico romance Me Chame Pelo Seu Nome ano passado: Luca Guadagnino, cineasta de tamanha versatilidade, produz aqui algo completamente diferente do seu filme anterior: o remake de um clássico de terror. Diferente do de 1977, que se passava em Friburg, na Suíça, este agora passa-se na gélida Berlim, sob o pano de fundo a Guerra Fria, que torna a premissa do filme mais interessante. No centro de sua trama, temos Suzy Bannion (Johnson), uma jovem e ambiciosa dançarina que viaja à Berlim para participar de uma renomada companhia de dança, liderada por Madame Blanc (Swinton). Depois da chegada de Suzy na escola de dança, tudo passa a ficar cada vez mais estranho e meio soturno, pois tal estranheza emerge a partir da execução de um macabra sequência de dança que, posteriormente, revela-se como uma forma – não tão inusitada – de pacto com as chamadas “Três Mães”, residentes naquela companhia. São elas: Mãe Tenebrarum, Mãe Lachrymarum e Mãe Suspiriorum (que fazem parte, inclusive, de uma trilogia, dirigida pelo próprio Argento, chamada “Trilogia das Mães”).

Luca Guadagnino é um artista fenomenal, no sentido de que preserva a aura do clássico, pegando-lhe emprestado o que lhe eternizou (as antecipações dos momentos de terror, as atmosferas subjetivas e intuitivas, etc.) e mantendo longe o que lhe defasou (sua estética datadíssima, suas técnicas de filmagens, etc.). É fenomenal, também (e principalmente), por se sobressair à grandeza do clássico, e criar, assim, algo à sua maneira, utilizando-se de suas próprias visões artísticas, técnicas, políticas e utilizando-se, por fim, de seu próprio espírito artístico e de seu discernimento, que preserva e rejeita, da fonte de inspiração, respectivamente, o útil e o inútil. E isto é fundamental em toda refilmagem.

Sempre quando nos deparamos com um remake, deparamo-nos, igualmente, com o mistério de sua existência. “Para quê mais um deste se aquele antigo já era bom?”, perguntas deste tipo perambulam sobre nossas cabeças, enquanto nos questionamos sobre a razão da existência dessas releituras de obras já “lidas” à exaustão. Geralmente, surgem dois motivos para tal empreitada. Um deles é o Motivo Comercial, que surge da necessidade de um diretor ou um estúdio de ressuscitar uma obra ou franquia que há muito adormecera na memória do grande público. Tais obras – ou franquias – surgem em grandes quantidades (Múmia, Kong: A Ilha da Caveira, Jumanji) ou porque fizeram muito sucesso em tempos passados ou porque foram ofuscados, talvez, por não terem se enquadrado numa determinada época. Estas obras, uma vez finalizadas, são regidas sob uma pirâmide de interesses, girando em torno de algo simples: lucro e sucesso comercial. O outro é o Motivo Artístico (que, por consequência, vem a ter um cunho revisionista), que começa, aliás, onde o Motivo Comercial termina, pois é mais ambicioso – apesar de não parecer. A revisão à qual esses filmes se submetem, vêm normalmente junto de uma intenção de "polir", remasterizar aquilo que, mesmo sendo clássico, corre o risco de se defasar – e o remake (pelo menos alguns) tem a intenção, ainda que velada, de preservar o legado do clássico. Luca Guadagnino é este preservador, mas também um inovador.

Assim sendo, Suspiria se faz relevantíssimo como uma obra de terror, que ganha o espectador menos por sua narrativa do que por sua atmosfera. Como num ballet, só que de câmeras e cortes, neste filme tudo flui com plena agilidade e elegância, através de muito afinco oriundo de sua base: o estilo. Um exemplo deste caráter ágil e elegante é a forma como uma cena específica se desenvolve: nela, a protagonista Susy, numa estação, esperando o metrô, deixa cair no chão um bilhete. Nele, figura a palavra “Berlim”, com todas as letras, revelando-nos, assim, a localização exata da personagem. Com um rápido close-up no bilhete, junto ao barulho inquietante do metrô que chega, a cena se conclui agilíssima, nos levando à cidade de Berlim com total fluidez e intuitivamente, sem ter que precisar recorrer a um intertítulo de letras garrafais - relativamente expositivo - escrito “BERLIM”. O exemplo desta cena é bem simples, dispensável até, mas inegavelmente crucial, justamente por se tratar de uma cena básica, porque revela, quase que explicitamente, o zelo da direção para com sua criação; daí a relevância de Suspiria e, consequentemente, a de Guadagnino.

Entretanto, esta relevância reside apenas no âmbito de sua impecável e penetrante atmosfera; já no campo narrativo, a coisa é diferente, e pouco lhe resta como defesa. Descompromissada e sem destino: com estas palavras pode-se definir sua narrativa que, separada em seis atos e num epílogo, tem o ritmo de uma lesma em seu pior dia. O filme começa "arrumado", conciliando forma e conteúdo de maneira sóbria, criando na mesma proporção a atmosfera que abarcará os personagens. As premissas são postas adequadamente. Esperamos, em decorrência do que nos foi posto lá no início como premissa, a chegada do clímax. Mas há um problema: este clímax nunca chega; ou até chega, mas nunca é explícito. As inúmeras insinuações de sua chegada nos cansam, e a espera então acaba, junto da expectativa. Quando o tão esperado clímax surge, a expectativa morre, assim como a fluidez rítmica estabelecida no início. Consequentemente, o clímax passa desapercebido. Eis a falha narrativa, o ritmo glacial, o efeito anestésico causado por um clímax bem... anticlímax.

Mas a verdade é que não se trata de um clímax, nem de um anticlímax; como foi dito, trata-se apenas de uma falha narrativa. A longa duração do filme (quase duas horas e quarenta) é desnecessária, porque poucos de seus minutos trazem em si informações relevantes, e desse modo, trazendo irrelevância numa enorme bagagem, o efeito mostra-se óbvio: um filme extenso e inchado. Carregando em si poucas informações para serem compartilhadas em tantos minutos, a obra tem como obrigação, desde então, enrolar o máximo possível para cumprir a meta de sua longa duração. É quase como um funcionário querendo cobrir a carga horária, estendendo a sua atividade em longas horas de trabalhos para mostrar serviço. O exemplo é distinto, mas a ideia é a mesma.

Consequentemente, os próprios recursos que favorecem Suspiria prejudicam-lhe, pois não adianta, numa mão, o diretor possuir a maestria da direção e, na outra, um script caótico que foge de sua alçada (não foi Guadagnino quem escreveu, aliás), porque o efeito dessa desleixo é uma obra cheia de imperfeições. No campo cinematográfico deve-se andar sob uma linha tênue, balanceando forma e conteúdo, direção e roteiro, para não criar uma obra ausente de "tempero"; e Suspiria é assim. O total crédito é dado à direção de Luca Guadagnino, tamanha originalidade em sua forma de trabalhar e, se escolheu o roteiro de David Kajganich para adaptar, é porque viu nele algo com o potencial para ser filmado; e este é, enfim, o problema: tem potencial - apenas - para ser filmado. Ou seja, em toda a sua exuberância visual, perde-se neste gigantesco campo a pequenez de uma narrativa incoerente, desordenada e sem rumo. Esqueça o roteiro e contemple a estética. Isto é Suspiria, apenas forma, mas nada de conteúdo.

Sobre o autor:

Matheus P. Oliveira, 6 de Agosto de 1998, co-fundador e editor do Fala Objetiva. Estuda Jornalismo e Cinema - este último de forma autodidata. Ainda sonha em conhecer por completo o rico universo que o Cinema possui. Atualmente tem como inspirações os críticos Roger Ebert, Pauline Kael e Luiz Carlos Merten e, de forma árdua, tenta unificar ao máximo todas as outras artes em sua mais que amada arte: o Cinema. Quanto ao futuro - não muito distante -, ele pretende dirigir e escrever alguns filmes.

Twitter: mathp_oliveira

Instagram: mathp_oliveira


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